Por Edilson Silva Seis meses separam o trágico acidente com o avião da empresa Gol, que vitimou 155 passageiros, e o último 30 de março, dia em que o chamado “apagão aéreo” deu fortes sinais de vitalidade e demonstrou que as coisas sempre podem piorar.

O acidente com o avião da Gol, o maior em número de vítimas no Brasil, não foi um incidente qualquer.

Duas aeronaves se chocaram no ar, deixando evidente que havia e há algo estranho acontecendo no tráfego aéreo brasileiro.

As investigações do acidente acabaram por popularizar um “sujeito” até então desconhecido dos leigos como eu, um equipamento chamado transponder, que teria sido desligado do jato Legacy, que se chocou com o avião da Gol mas que, mesmo com sérios danos, conseguiu pousar.

O transponder é um equipamento que deve atuar no limite da segurança de vôo, como uma espécie de para-quedas reserva.

Ou seja, quando todo o sistema previsto para atuar falha, então o transponder entra em ação, pois este emite sinais que, em tese, devem ser detectados pela aeronave que está vindo em sentido contrário e em altitude semelhante, permitindo uma manobra de evasão em tempo hábil de uma ou outra aeronave, ou comunicação entre ambas para evitar a colisão.

Então, o sistema de controle do tráfego aéreo brasileiro falhou, e desgraçadamente o tal transponder não atuou, nem do lado do Legacy, nem do lado do avião da Gol.

Um dos passageiros do Legacy, que podemos chamar de sobrevivente, um jornalista do The New York Times, botou a boca no mundo denunciando as péssimas condições do controle de tráfego aéreo no Brasil.

Pensei, vindo de um sujeito afetado diretamente pelo drama, que viveu aquele horror, é natural uma carga de exagero.

Errei.

O jornalista estava sendo em boa medida realista.

O acidente não foi um incidente isolado, uma fatalidade.

Passados seis meses do trágico acidente, ninguém em sã consciência condenará o tal jornalista.

O termo “apagão aéreo” é prova disso.

CPI pra cá, CPI pra lá.

Denúncias sobre a gestão da Infraero.

Caos nos aeroportos.

Qual o motivo?

Quem são os culpados?

O governo e a imprensa desqualificada já acharam os seus culpados: os controladores do tráfego aéreo, que passaram, de profissionais altamente qualificados e com salários absolutamente incompatíveis com a complexidade da tarefa, para amotinados e sabotadores.

A questão é que a solução simples e covarde de culpar os controladores civis e militares não responde e nem resolve graves problemas ocorridos dentro destes seis meses: “*1.

Queda do sistema de vigilância radar em Curitiba, devido tempestade; 2.

Queda das freqüências do setor norte de Curitiba, devido raio em Campo Grande; 3.

Queda das comunicações em Brasília (SITTI); 4.

Vários fechamentos de Congonhas devido chuva forte; 5.

Falta de aeronaves reservas para suprir panes em aeronaves no Natal; 6.

Queda do sistema de tratamento de plano de vôo de Brasília; 7.

Pane no sistema de Aproximação por Instrumentos de Guarulhos” *(extraído do Manifesto dos Controladores de Tráfego Aéreo divulgado no último dia 30 de março).

Este quadro revela ou não problemas na infra-estrutura do transporte aéreo brasileiro?

Os controladores estão prestando um serviço ou desserviço ao país e à sociedade quando se levantam contra este estado de coisas?

Vamos esperar uma nova tragédia para responder a estas questões, já que tudo indica que a comoção pelas 155 vítimas de seis meses atrás já se desfez?

Após seis meses de intensas negociações que não avançaram um único milímetro, em que os controladores foram inclusive culpados por *overbooking * praticado por empresas aéreas, em que muitos foram perseguidos, transferidos, numa manobra subterrânea que atenta contra a democracia, não é razoável que estes profissionais façam a única coisa que lhes restou: cruzar os braços para chamar a atenção das autoridades e da sociedade?

Por outro lado, é compreensível e justíssima a indignação dos milhões de passageiros que são vítimas desta situação.

E é preciso sim muito protesto e muita demonstração de intolerância com este quadro.

Mas não se pode perder de vista que há aqui uma situação crítica a ser resolvida, que envolve a segurança de 100 milhões de passageiros que são transportados anualmente no país.

Se ao comprar uma passagem aérea o bilhete trouxesse uma tarja, de cor verde limão, alertando que a segurança de vôo está prejudicada e que as probabilidades de acidentes estão acima das normas internacionais da aviação civil, qual seria a nossa reação?

Mas, lamentavelmente, a grande mídia comercial e o governo jogam com maestria sobre o individualismo de cada passageiro, com cada pai que tem pressa em rever o seu filho, com cada profissional que tem um compromisso inadiável em outro estado, com cada órgão humano que precisa viajar e ser transplantado para garantir a vida de um ser humano, como exaustivamente mostrou uma emissora de tv num dos episódios destes seis meses.

Nesta crise, poucos atores de peso estão pensando numa solução real para o problema.

Lula quer abafar a crise e evitar uma CPI, que demonstraria que os recursos que deveriam ser colocados na infra-estrutura aeroportuária foram e estão sendo drenados para fazer superávit primário, ou seja, para remunerar os juros que fazem a farra dos agiotas do Sistema Financeiro.

Além do que, pode colocar em situação constrangedora o ex Presidente da Infraero, Carlos Wilson, que no mínimo gastou errado os recursos disponíveis, priorizando transformar aeroportos em shoppings ao invés de investir na infra-estrutura básica de segurança de vôo, incluindo aí os recursos humanos, os controladores de tráfego aéreo.

No entanto, quando pensávamos que Lula iria abafar a crise começando a resolvê-la, dialogando com os controladores e iniciando um processo de desmilitarização da atividade, o Presidente se acovarda mais uma vez diante dos militares e descumpre os compromissos assumidos.

O alto comando da Aeronáutica não abre mão de perder o controle desta área, bloqueando completamente a desmilitarização do setor.

A desmilitarização é uma necessidade, pois esta impossibilita a sociedade civil de “entrar” no sistema e exercer seu papel.

Por fim, as elites econômicas, a classe dominante, passaram a ver na movimentação dos controladores um perigoso exemplo, que pode contaminar o país.

Os sargentos amotinados precisam, portanto, ser derrotados, “para o bem da hierarquia e da disciplina”.

O apagão aéreo saiu da pauta e entrou em seu lugar a punição dos indisciplinados.

Nem Lula, nem os militares, e muito menos os porta-vozes das elites econômicas estão preocupados com os milhões de passageiros.

Estão preocupados com outros milhões e bilhões.

Neste jogo de interesses mesquinhos e de manipulação de massas, um pequeno grupo se insurgiu e trava uma luta desigual: os controladores do tráfego aéreo, que merecem nossa solidariedade e apoio.

PS: Presidente do PSOL/PE, foi candidato ao governo do Estado em 2006 e escreve todas as sextas feiras para o Blog do Jamildo/ Jornal do Commercio.