Por José Teles (publicado no JC de 3/4/07) “Se eu for visto como alguém muito maluco, vou achar ótimo.

Não quero é que me achem menino prodígio”.

A afirmação é do pianista Vitor Araújo, 17 anos, que vem chamando atenção pela forma pouco convencional de interpretar os clássicos.

A iconoclastia rendeu-lhe repreensões de professores, um “carão” público e a desaprovação de uma das mais renomadas pianista brasileiras, Maria Clode Jaguaribe: “Ela veio para um master class no conservatório e me deu um esculacho, pela forma como toquei a Bachiana nº4 de Villa-Lobos.

Ela não gostou de eu não respeitar partitura e achou que esta subversão se devia a minha pouca idade, o que não é o caso.”, conta Araújo.

Embora alguns repreendam a técnica, ninguém negou o fato de estar diante de um instrumentista de talento, a exemplo do também pianista Ivanildo Guilherme Ribeiro, professor do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, que assistiu a um concerto de Araújo no Santa Isabel e o considerou o mais promissor pianista de sua geração.

Com oito anos de conservatório, Vitor Araújo é freguês da nota 10, foi vencedor de todos os concursos de que participou na escola de música: “Esta, vamos dizer, polêmica que vem surgindo pela forma de Vitor tocar só começou depois que ele começou a dar concertos.

O que ele faz diante das platéias, sempre fez no conservatório”, conta o pai do adolescente, o funcionário público Túlio Montenegro. “O que faço me aconteceu naturalmente, não tem nada de conceitual.

Acho que o intérprete não pode ficar muito restrito à partitura, e eu gosto muito de criar novos arranjos, improvisar”, completa Vitor Araújo, cuja carreira de concertista começou em 2006, com uma apresentação num projeto de música erudita em Maceió.

O concerto foi registrado pelo pai do pianista numa câmera digital: “Levei o vídeo para Fernando Duarte (da Fundação de Cultura do Recife), ele gostou tanto que decidiu ajudar a gente a fazer um DVD, que foi dirigido por Wilson Freire”, diz Túlio Montenegro.

O DVD não foi comercializado, está servindo para apresentar o trabalho de Vitor Araújo a jornalistas e artistas.

Trechos foram disponibilizados no site YouTube (já estão com mais de 2 mil acessos).

Em suas apresentações, Araújo veste-se como vai ao barzinho, sem dispensar os tênis All Star.

Quando começa a tocar, no entanto, ele parece entrar em transe: “Realmente, eu saio da Terra, e vou para o ar.

Mas nunca esqueço que o público está ali.

Tem esta história no conservatório de se dizer que para uma boa performance deve-se esquecer o público.

Comigo não. É nessa hora que o músico deve mostrar a sua arte e é nisto, na reação da platéia, que eu viajo.

Eu vou a concertos e noto que muitas pessoas se levantam no meio de uma peça, outras vão embora, porque o músico toca exatamente o que está na partitura.

Eu faço umas doideiras, umas performances.

Acho que se a gente, músico, não chamar atenção, o concerto fica uma bosta”. É inegável que o histrionismo é um componente importante na performance de Araújo.

Ele se senta ao piano, curva-se, inverte a posição das mãos, recorre a acordes de punho fechado, parece brincar com o teclado, e aí tanto faz estar tocando um frevo de Marlos Nobre ou a Asa branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.

Ele garante não se importar com o julgamento que outros músicos ou críticos façam do seu trabalho: “Sinceramente, não ligo para críticos, jurados de concursos, que me achem esquisito.

Gosto de sair com os amigos, gosto muito de cinema, vejo muito filme.

Sou um cara absolutamente normal”, diz o jovem pianista, um cinéfilo de preferências não muito normais para a idade e geração: entre os autores que cita estão Eisenstein, Glauber Rocha, Charlie Chaplin, e está compondo uma trilha para um curta-metragem do cineasta Wilson Freire.

Vitor Araújo começou a tornar-se músico aos sete anos, quando ganhou de presente um teclado Casio, amador: “Eu tenho ouvido de tuberculoso.

O ouvido é a melhor coisa que tenho.

Tirava músicas facilmente, com harmonias e tudo, então meu pai me incentivou a tentar o conservatório.

Hoje eu estudo também arranjo e orquestração com Thales Silveira, um cara muito importante na minha carreira”, continua Araújo, cujo maior ídolo não é Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, ou Marlos Nobre, músicos cujas composições estão no repertório do seu DVD demo. “Para mim, o mais completo compositor do Brasil é Chico Buarque.

O cara é excelente em harmonia, em melodia e escreve letras maravilhosas”, revela sua predileção, citando A Rita como um exemplo da genialidade do ídolo: “Alguém que faz uma música dessas com 19, 20 anos tem que ser gênio”, diz Vitor (que tem feito participações na banda Seu Chico).

Ele confessa ouvir mais MPB do que clássicos: “Em casa toco umas quatro horas de piano por dia.

Pratico o que me ensinam no conservatório.

Mas toco também para me divertir.

Porém, quando ouço música, é mais popular mesmo”.

Entre esses populares estão Guinga, Lenine (outro ídolo do pianista), Nação Zumbi, Jackson do Pandeiro, Baden Powell, Miles Davis, John Coltrane.

Vitor Araújo diz que seu objetivo é conseguir patrocínio para tocar na periferia: “Acho que música é para quem não entende.

Prefiro que minha platéia seja de pessoas que curtem a banda Calypso do que os que só ouvem Villa-Lobos”.