Rio, 3 de abril, 2007 Li hoje a matéria “Pianista normal, ma non troppo” no Jornal do Commercio, Caderno C, sobre o jovem pianista Vítor Araújo que parece estar provocando polêmica em Recife pela maneira como está encarando certos aspectos fundamentais da música.Creio que devo dizer algo a respeito, sobretudo procurando ajudar este rapaz que está começando seus primeiros passos na interpretação musical.

Para começar, logo depois de ler a matéria, fui ao YouTube e escutei e vi o vídeo do Vitor Araújo tocando meu Frevo para piano.

Tenho umas observações sérias a fazer, sempre na tentativa de ajudá-lo: no vídeo eu constatei que o jovem em questão ainda não adquiriu uma técnica pianística ainda razoável.

Ele toca o piano de maneira, digamos, “estabanada”, sem controle do instrumento.

Essa é a primeira observação que faço, para tentar ajudar o jovem aspirante a pianista e músico: na execução de qualquer instrumento musical é essencial a limpeza da execução.

Os pianistas, grandes ou não, sabem que isto é a essência da execução.

Que se trate de um Art Tatum, um Oscar Peterson (para ficar nos grandes intérpretes do “jazz”) ou um Nelson Freire, um Arnaldo Cohen, estes brasileiros, ou Arthur Rubinstein, Cláudio Arrau, todos primeiro que tudo “sabem tocar”.

Esta primeira etapa ainda está longe do domínio do nosso jovem aspirante Vítor Araújo.

A segunda observação refere-se ao respeito pela obra e pelo seu criador.

Fiquei absolutamente chocado e totalmente decepcionado pela forma como o nosso jovem aspirante a pianista tocou o meu Frevo.

Notas erradas, ritmos errados e uma tentativa infantil e irresponsável de “inventar algo mais” na minha música, sem parar um minuto para pensar nas conseqüências de sua imprudência.

Ora, o jovem em questão ignora que existem duas espécies de músicas: uma concebida de forma “aberta” e outra “fechada”.

Na primeira o compositor (tanto de música popular quanto música de concerto) concebe uma partitura com sinais total ou parcialmente livre, que não só admitem, mas “pedem” a eventual criatividade do intérprete. É o que ocorre no “jazz” e o que ocorre nas obras aleatórias da música de concerto.

Na forma “fechada” entretanto, o compositor escreve exatamente aquilo que concebeu e aquilo que exige do intérprete: a maioria das obras da música de concerto, desde Mozart a nossos dias estão neste caso.

O compositor portanto escolhe um único caminho, uma única versão e é ela que vale, sempre.

O intérprete é então o meio, o instrumento para a comunicação desta obra ao público.

Ao adulterar de maneira consciente (como faz o jovem aspirante a pianista Vítor Araújo) ele peca no próprio cerne da obra, adulterando-a.

E, em casos como o dele, que “inventa” (como o vi fazer em meu Frevo, no vídeo da YouTube) coisas absolutamente infantis, despropositais, anti-musicais e anti-estilísticas, comete o nosso jovem aspirante a músico um crime duplo: primeiro um crime musical e segundo um crime real, passível de punição judicial.

Remeto o nosso jovem, ou quem o orienta (ou desorienta?), à Lei n° 9.610, artigo 24 que reza serem direitos morais do compositor, o de ter conservada sua obra inédita; o de ter assegurado a integridade de sua obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo como autor, em sua reputação ou honra.

E mais: no art. 29: Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização de suas obra, por quaisquer modalidades como a reprodução parcial ou integral; a adaptação, o arranjo e quaisquer outras transformações; a inclusão em fononograma ou produção audiovisual (DVD) sem prévia aceitação e autorização expressa do autor.

Ora, nosso jovem (naturalmente mal orientado por quem o está desorientando) está cometendo erros cuja gravidade legal e musical não o isentarão de responsabilidade jurídica e opinativa de quem conhece música.

Vejo que o nosso jovem Vítor Araújo está embalado na onda da mídia, achando que está com a bola da vez. É portanto meu intuito de alertá-lo e aos seus responsáveis, que o que está acontecendo assume uma situação que beira à irresponsabilidade.

Maestro Marlos Nobre (no vídeo, acima, Vítor Araújo interpreta Dança do Índio Branco, de H.

Villa-Lobos)