Por Edilson Silva*O mês de março tem um significado especial para aqueles que lutaram e lutam contra a ditadura militar, constituída a partir de um golpe em 1º de abril de 1964. É o mês em que, bem mais unidos, reafirmamos que não esquecemos as torturas, os assassinatos, os exílios, a dor e a tristeza daquele regime, eque, portanto, exigimos as devidas reparações, materiais e políticas.Em Pernambuco, estas atividades estão a cargo do Fórum Permanente da Anistia, que tem como principal articulador a APAP – Associação Pernambucana dos Anistiados Políticos, presidida com paixão e disciplina pelo economista Antônio de Campos.
Estas entidades lutam incansavelmente pelo direito àhistória brasileira naquele período de exceção e conseqüentemente pela abertura dos seus arquivos.Coincidentemente, março é também o mês de aniversário de Gregório Bezerra, que nasceu junto com o século passado, em 13 de março de 1900, e imortalizou-se em 21 de outubro de 1983, no mesmo mês em que tombou em combate Che Guevara, um herói continental.Gregório Bezerra também foi um herói, que continua vivo para aqueles que seguem a lutar por liberdade, democracia e pelo socialismo.
Um ícone da esquerda brasileira, cuja militância começou já em 1917.
Desde então não parou mais, lutando com e pelo povo, sendo preso inúmeras vezes por suamilitância política.Já no outono da vida, Gregório lutou e não se acovardou diante das atrocidades do regime de 64.
Em um dos episódios mais marcantes daquela ditadura, foi arrastado pelas ruas do bairro de Casa Forte, no Recife, puxado por uma corda laçada ao seu pescoço, após ter sido barbaramente torturado, num espetáculo grotesco que até hoje choca mesmo aqueles que bem conhecem o fato.Gregório, contudo e felizmente, não está sozinho na galeria dos heróis e heroínas do povo brasileiro.
Soma-se a muitos outros: Zumbi e Dandara; Frei Caneca; Abreu e Lima; João Candido; Antônio Conselheiro; Anita Garibaldi; Lampião e Maria Bonita; Mariguella; Lamarca; Willian, Barroso e Walmir da CSN; Margarida Alves; Padre Henrique; Chico Mendes; Zé Luis e Rosa Sundermann; Cacique Chicão; Dom Helder Câmara; Irmã Dorothy Stang e tantos outros, anônimos ou não.São homens e mulheres que, como Gregório, tinham na sua anatomia muito mais que "carne e osso".
Tinham em comum uma causa nobre, e as causas nobres não se hospedam na carne, mas no espírito, no caráter, na coragem, nossentimentos mais elevados.
Certamente eram feitos também de "ferro e flor", parafraseando o poeta Ferreira Gullar em sua bem acabada definição do ser humano Gregório Bezerra.
Cada qual com sua têmpera, forma e aroma, frutos de seu tempo e de seu meio.Com tantos heróis de verdade, que ao longo da história do Brasil deram suas vidas para a construção da nossa República e na luta por democracia, liberdade e justiça social, o Presidente Lula decidiu homenagear, exatamente no simbólico março, outros e novos heróis.Para Lula, os usineiros, que "garantem" o etanol, e seus ministros vindos da iniciativa privada, que "ganham pouco" em contraste com o mercado, são verdadeiros heróis.Enquanto abre a boca para soltar pérolas cada vez mais brilhantes, Lula fecha os olhos, ouvidos, boca, e tudo indica também o nariz, para a demanda da abertura dos arquivos da ditadura militar, abertura que nos permitiria "desenterrar" outros tantos heróis de verdade, "desaparecidos", e agora esquecidos, escondidos e desrespeitados por seu governo, que os trata como um entulho incômodo do passado.Mas, analisemos rapidamente quem são os heróis de Lula.
Os usineiros são patrocinadores de um segmento da economia em que as relações trabalhistas são, no mínimo, semi-feudais, em que a industrialização ainda é desvantajosa diante da servidão a que são submetidos os cortadores de cana.E mais, do lado de fora das usinas há os fornecedores de cana, em boa medida pequenos agricultores, que ajudam a garantir os índices de produção do segmento.
Para piorar o quadro, as usinas ainda estão passando por um silencioso processo de desnacionalização.
Nada de heroísmo, portanto.E os ministros que vieram do setor privado para ganhar uma "mixaria" no governo?
Esta pergunta é respondida com outras perguntas: Por que o Congresso Nacional está cheio de senadores e deputados empresários?
Por que as Comissões de Comunicação estão cheias de parlamentares donos de rádios etvs?
E as Comissões de Viação e Transportes, por que estão cheias de empresários do setor de transporte e de empreiteiros?
E as Comissões de Educação, de saúde, agricultura, etc, por que estão lotadas de parlamentaresempresários dos respectivos setores?
Será que estes empresários estão lá por heroísmo também?Estar ministro significa negociar orçamentos bilionários.
Significa estar na posição privilegiada de intermediar e direcionar grandes negócios, viajando o Brasil e o mundo fazendo transações comerciais, com assessoria técnica,diárias, passagens, segurança e hotéis pagos pelo contribuinte.
Também aqui, nada de heroísmo.A impressão causada neste episódio dos novos heróis é que Lula não tem limites na sua busca pela desmoralização da esquerda.
Além de trair seus compromissos históricos, desde que assumiu a Presidência do Brasil apressou-se em afirmar na imprensa que nunca foi socialista, depois que nunca foi de esquerda, até chegar ao ápice de afirmar em tom jocoso que aspessoas mais velhas que continuam sendo de esquerda têm algum "problema".
Agora, elege usineiros e empresários como heróis nacionais e até mundiais.Parece que o presidente quer provar para a sua nova classe que ele e a esquerda não estão apenas divorciados, mas que o divórcio não foi amigável, e sim um litígio pesado, daqueles que passam pela enfermaria e pela delegacia, e que ele, Lula, não admite sequer uma foto 3X4 antiga e desbotada perdida numa gaveta qualquer na casa do ex-cônjuge.Se continuar assim, Lula também será promovido a herói, mas de um tipo bem distinto de Gregório.
Nem chegará a ser um herói como os seus usineiros e empresários, que têm princípios de classe e os honram: colocar seus lucros acima de tudo e todos.Lula será um herói diferente, mas nem por isso original.
O desenho exato deste tipo de herói foi já materializado pela genialidade do escritor Mário de Andrade, e imortalizado nas telas pelo gigante pequenino Grande Otelo: Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. * Edilson Silva é presidente do P-SOL/PE, foi candidato ao governo do Estado em 2006 e escreve todas as sextas feiras para o Blog do Jamildo / Jornal do Commercio.
Leia a biografia de Gregório Bezerra no site da Fundaj e no Portal dos Municípios.