Nota Final do Acampamento As 600 pessoas acampadas de 12 a 16 de março de 2007, junto à Torre de TV, representantes dos principais movimentos sociais do Nordeste e do país e de inúmeras organizações populares da Bacia Hidrográfica do São Francisco sentem-se vitoriosas ao deixar a capital federal.
Dissemos nossa voz.
E quase todos nos ouviram.
Aqui vai um balanço dessa semana de luta, educação política e mobilização social: 1.
Nosso objetivo era sensibilizar as autoridades da República e a opinião pública nacional para a inviabilidade do projeto de transposição de águas do Rio São Francisco para o Nordeste setentrional, mostrar que existem alternativas muito mais eficientes para resolver o déficit hídrico do semi-árido brasileiro, chamar atenção para o quadro de degradação da bacia do São Francisco e para a insuficiência do atual programa de revitalização.
Isso conseguimos.
Se vai modificar a ação e o modo autoritário e impositivo do governo, dirão o tempo e a continuidade de nossa luta, para a qual estamos mais fortalecidos. 2.
Fomos muito bem recebidos no Supremo Tribunal Federal (STF), que decidirá finalmente a legalidade ou ilegalidade da ação do governo na implementação do projeto de transposição.
Os ministros que nos receberam pessoalmente ou através de suas assessorias diretas mostraram-se sensíveis aos nossos argumentos jurídicos e socioambientais e disposição de julgar com isenção.
Protocolamos hoje na STF uma ação popular contra a transposição, assinadas por 120 representantes nossos. 3.
Acolhida e apoio, surpreendentes até, tivemos no Congresso Nacional.
Fomos recebidos pelos presidentes do Senado e da Câmara, que disseram não poder ser esse projeto da transposição levado à frente sem uma profunda revitalização do rio e sem o debate esclarecedor de todas as dúvidas, debate que se comprometeram a intensificar nas duas Casas.
A Comissão de Meio Ambiente da Câmara promoveu concorrida audiência pública, em que foram apontadas ilegalidades e outros absurdos da obra. 4.
Decepção é a palavra para o que sentimos ao não sermos recebidos pelo primeiro escalão do Palácio do Planalto.
Nos empurraram para o Ministério da Integração, com o argumento de que esse é o responsável pela transposição e foi determinado pelo presidente Lula como nosso único interlocutor.
Ignoraram que nossas reivindicações envolviam outros setores do governo e nos desprestigiaram nos impondo o não-diálogo com um ministro, Pedro Brito, que é expressão do poderoso lobby do projeto e cujo substituto já estava anunciado.
Na Integração fizemos o enterro simbólico da transposição, com o canto fúnebre das "Alimentadeiras de Alma" do médio São Francisco.
No Ministério do Meio Ambiente tivemos explicações tecnocráticas para os licenciamentos já dados à transposição. "Caiu a máscara" do governo Lula.
Para muitos de nós, construtores do PT e eleitores de Lula, foi a gota d’água, não nos reconhecemos mais nesse governo que julgávamos nosso.
Por que recusar o diálogo?
Por que foge da verdade? 5.
Durante nosso acampamento, o governo lançou edital de licitação das obras da primeira etapa da transposição.
Ironicamente, no valor de R$3,3 bilhões, o mesmo das 530 obras de pequeno porte propostas pelo Atlas Nordeste da Agência Nacional de Águas (ANA), que resolveriam o abastecimento humano de 34 milhões de pessoas.
Somadas às mais de 40 iniciativas rurais de convivência com o semi-árido propostas pela Articulação do Semi-Árido (ASA), que congrega quase mil entidades da sociedade civil do Nordeste, todo o problema hídrico desta região estaria resolvido.
Se são complementares à transposição, como correram a dizer representantes da ANA, fica comprovada a mentira da transposição: essa não é para matar a sede, é para grandes usos econômicos, favorecimento de empreiteiras e do agro e hidronegócio privado! 6.
A audiência pública no Ministério Público Federal lavou nossa alma, foi onde mais pudemos expressar nossa indignação, contestar com a intensidade da vida ribeirinha a frieza e a parcialidade dos números com que os técnicos querem justificar a insanidade da obra.
No Tribunal de Contas da União (TCU), na próxima segunda-feira, e vamos agradecer ao presidente e ao relator o relatório que condena os gastos exacerbados do governo prévios à obra mentirosa.
Tivemos o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Músicos de renome nos brindaram com sua arte e as fotos do João Zinclar nos iluminaram a visão das mazelas e bonitezas de nossos rios.
A presença de dom Luiz Cappio nos lembra a força dos fracos e o poder maior da não-violência. 7.
Além de sensibilizar o Legislativo, o Judiciário e a opinião pública, outro ganho do acampamento, talvez tão grande quanto, foi o aprendizado e auto-organização do povo da base, com sua diversidade regional, étnica, cultural e profissional, que, durante essa semana aqui se encontrou, trocou experiências, estudou o cerrado, o semi-árido, o modelo energético brasileiro e a campanha O preço da luz é um roubo, discutiu suas dificuldades, redescobriu suas potencialidades, dançou seu forró, percorreu avenidas, foi a gabinetes, foi barrado em palácios…
Daqui voltamos fortalecidos para a luta cotidiana e para as lutas políticas e ecológicas, definitivamente inseparáveis.
Cumprimos aqui nossa penúltima tentativa pelo arquivamento do projeto de transposição, a última será lá na própria bacia do São Francisco, com os companheiros e companheiras que lá ficaram, para os quais nos faremos multiplicadores da experiência aqui realizada, em vista de outras e mais contundentes ações. 8.
Agradecemos a tantos quantos, de diversas formas, nos apoiaram.
Banhados simbolicamente nas águas das Fontes da Praça, também Águas Emendadas da Bacia do Velho Chico, sob a Torre de TV, divisamos um longo horizonte de lutas e conquistas, pelo rio São Francisco e pelo Nordeste e bradamos um grito pela verdade e pela vida.
Não à transposição, conviver com o semi-árido é a solução!
O São Francisco precisa é de revitalização!
Brasília, 16 de março de 2007.