Por Marcelo Araújo Inicio minhas palavras afirmando com clareza que a transposição das águas do São Francisco é uma decisão equivocada.
Essa não é somente a minha opinião, mas também, de especialistas de renome, como mostrarei adiante.
Exalto à vontade do Presidente da República de resolver os problemas do semi-árido nordestino.
Contudo, não posso me calar diante de decisão tão errônea.
Peço que a transposição seja evitada a qualquer custo.
A transposição não vai gerar riqueza, muito menos resolver o problema socioeconômico da região, como vem sendo propalado.
Todos sabem que só a presença da água não elimina a miséria no semi-árido.
No próprio vale do Rio São Francisco, a poucos quilômetros de sua margem, o homem sofre.
Invoco o Prof.
Aldo Rebouças, da USP, conhecido especialista em recursos hídricos, ao dizer que "antes de pensar na transposição é necessário desvincular a pobreza do semi-árido da falta d\água".
Ele afirma que não há relação entre a falta d\água e a pobreza.
Existe água no Nordeste suficiente para atender à demanda da população.
Porém, quando alguém se manifesta contrário à idéia da transposição, é imediatamente taxado de "negar um copo d\água a um conterrâneo sedento".
O Rio São Francisco pode, mas não tem que abastecer de água toda a população do semi-árido.
A maioria das localidades pode e deve ser atendida pelos açudes existentes.
Vejam o que ressaltou o Dr.
Jerson Kelman, ex-Presidente da ANA, em audiência pública na Câmara dos Deputados.
Diz ele: "Não basta encher os grandes açudes do Nordeste para resolver o problema, mas que se invista primeiramente na construção de adutoras, de acordo com o objetivo do PROÁGUA, permitindo que setransporte água dos açudes para os Municípios necessitados".
Dispomos no Nordeste de cerca de 400 açudes de grande porte, com capacidade de acumulação de 5,0 milhões a 6,5 bilhões de metros cúbicos de água, totalizando mais de 36 bilhões de metros cúbicos estocados, muitos deles ociosos, pouco aproveitados por falta de obras complementares, sobretudo adutoras.
A nossa tese é esta: dar asas hídricas a esse grande patrimônio já construído.
Isso feito, a transposição perde o seu sentido.
Morre por inanição.
Já o engenheiro Hypérides Macêdo, um dos melhores engenheiros hidráulicos do Brasil, Secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração, diz, em artigo intitulado A proposta ideológica contra as secas, que nos anos de bom inverno o volume de água de chuva escoado no Estado do Ceará pode chegar aos 35 bilhões de metros cúbicos, enquanto a capacidade de armazenamento é em torno de 18 bilhões de metros cúbicos.
Há necessidade de pelo menos se duplicar a capacidade de armazenamento do Estado, para guardar os volumes dos anos de bonança pluvial.
Esse artigo mostra que a região semi-árida do Ceará não precisa das águas do Rio São Francisco para desenvolver suas potencialidades.
Por semelhança, o mesmo acontece com o semi-árido do Rio Grande do Norte e da Paraíba.
Tudo o que o São Francisco pode irrigar hoje, considerando a sua disponibilidade de água e os recursos de solo, é de 1 milhão de hectares.
Existe até mais solo, mais de 5 milhões de hectares de áreas irrigáveis, mas a disponibilidade de água só dá para 1 milhão de hectares.
Desse total, 330 mil já foram irrigados.
Existem projetos para mais 670 mil hectares, que, se irrigados, o que pode ocorrer num horizonte de 12 anos, vamos oferecer ao semi-árido 2 milhões de empregos. É um ritmo de implantação de 55 mil hectares por ano.
No projeto da transposição não está definido sequer quem vai operar o sistema.
Se as águas serão utilizadas para irrigação, que projetos serão beneficiados?
Quem arcará com o pagamento dos custos de operação e manutenção do sistema?
Construir a obra é relativamente fácil.
A engenharia hidráulica do País é bastante avançada.
O difícil é fazer a terra produzir economicamente, é promover a geração de emprego e renda.
Quando isso não ocorre, a obra de engenharia passa a ser um "elefante branco", como se diz comumente.
Sobre a transposição, o renomado professor e autor de vários livros sobre irrigação, Alberto Daker, em artigo intitulado Transposição de Água do Rio São Francisco no Semi-Árido Nordestino - Uma Opção ou Megalomania?, afirma o seguinte: "As transposições, se realizadas, não vão criar riqueza, mas, sim, gerar pobreza na região como um todo.
Cada hectare irrigado por essas transposições, fora da bacia do São Francisco, a um custo elevadíssimo de investimento e de consumo de energia elétrica, vai impedir a irrigação de pelo menos 2 hectares e meio de terrenos férteis em suas margens (Médio e Sub-Médio São Francisco) por um custo mínimo.
Isso quer dizer que cada hectare irrigado fora do Vale do São Francisco vai exigir do rio duas vezes e meia mais água que o mesmo hectare irrigado dentro do Vale". "A avaliação técnica, social e econômica dos dois eixos de transposição propostos, vistos de forma mais ampla, sinaliza que o eixo leste é até justificável, dado que pode vir a resolver problemas crônicos da região.
Quanto ao eixo norte, pesa contra sua racionalidade muito mais questões quanto às reais necessidades ao alcance social, à viabilidade econômica e gerencial" conclui.
O Presidente Lula poderia criar no semi-árido uma rede enorme de centros federais de ensino tecnológico para profissionalizar os agricultores e outros profissionais envolvidos no desenvolvimento econômico da região, como zootecnistas e agroindustriais.
Enfim, muito poderia ser feito com esses recursos.
O que me pasma é direcionar R$ 6, 6 bi num caminho tão errado, que só a história vai julgar. É isto que me provoca indignação: o gasto de recursos federais, feito com tanta simplicidade, com tamanha falta de objetividade.
Esse é um projeto de um grupo fechado do Ministério da Integração Nacional.
O Governo não o discutiu nas universidades, nem com os especialistas no assunto.
Tem de ser feito e vai ser feito.
Temos deveres com as futuras gerações, que um dia questionarão o desacerto dessa obra.
PS: Marcelo Araújo é vice-Presidente do PFL Jovem