Por Miguel Falcão Da equipe de chargistas do JC Mais uma pretensão provinciana.

Tá rolando um e-mail por aí, e chegou pra mim também, protestando contra a nova novela das oito da Globo (como quem escreveu foi uma mulher, o protesto consistia em boicotar apenas o primeiro capítulo da novela, e não a novela inteira) porque as cenas paradisíacas e tropicais do hotel, que na trama fica no litoral da Bahia, na verdade foram gravadas em Muro Alto, litoral sul de Pernambuco.

Segundo a autora, é um desrespeito a Pernambuco e ao Nordeste (ela ironiza dizendo que os baianos não se consideram nordestinos) e que estão roubando (sic) nossas belezas naturais.

Como assim?

Não entendi.

Sinto muito, mas desta vez a Rede Globo de Televisão está coberta de razão.

Não se trata de um documentário sobre o litoral do Nordeste, mas de uma obra de teledramaturgia de ficção.

A coisa mais comum do mundo em cinema de ficção é rodar as cenas em um local fingindo que é outro.

Assim, um filme cujo enredo se desenrola no Egito é rodado num deserto qualquer da Califórnia, uma batalha nas selvas do Vietnam é filmada nas florestas das Filipinas e uma nevasca na Sibéria pode perfeitamente ser filmada no Alaska.

O filme Amadeus, que se passa em Viena, foi todinho rodado em Praga, porque lá ainda havia bairros inteiros em que se podia girar a câmera 360 graus e não se ver nada do Século XX.

Não tomei conhecimento de vienenses protestando contra o roubo das suas belezas arquitetônicas.

Era só o que faltava.

Como se a Globo fosse alguma agência promotora de turismo em geral e do turismo pernambucano em particular.

Estamos pouco a pouco nos habituando com esse marketing subliminar, como se fizesse parte da rotina da vida e fosse a coisa mais normal do mundo.

Alguns anos atrás Tasso Jereissati pagou a uma escola de samba do Rio pra ter o Ceará como tema e supostamente promover o turismo do estado, e não teve o menor pudor de esconder isso, mas divulgou aos quatro ventos, como se fosse uma grande sacada, quando na verdade foi prostituição pura e simples.

Se a moda pega, o desfile vira um balcão de negócios, se é que não já virou.

A pernambucana autora desses e-mails deveria ter protestado algumas novelas atrás, quando a Globo, num surto inacreditável de baixeza jornalística, veiculou uma série de reportagens no Jornal Nacional sobre brasileiros ilegais nos Estados Unidos, como se fosse um assunto urgentíssimo e uma novidade alarmante, só pra promover uma novela que ia ser lançada com esse mesmo tema.

Protestar como pernambucana, como cidadã brasileira e como ser humano.

Aí sim, deveria se boicotar não só a novela inteira, mas também os noticiários e a emissora como um todo.

PS: Aproveitem cada linha.

Quando esse rapaz usa a pena, é para pintar e bordar com a cara dos outros, mas com desenhos.

Não costuma falar tão a sério assim, embora suas charges sejam igualmente cortantes.