Por Edilson Silva Em meio à euforia e anestesia da sociedade criadas pelo clima de carnaval, foi publicado no Diário Oficial do Recife um aumento de 46,35% nos vencimentos do prefeito João Paulo, conseqüentemente de seu vice, Luciano Siqueira, e de todo o primeiro escalão da Prefeitura do Recife.
Com este aumento o prefeito que recebia R$ 10 mil passará a receber R$ 14.635,00.
O aumento em si, a forma e o momento como foi concretizado, assim como os argumentos utilizados para defendê-lo, demonstram, mais uma vez, de que lado encontra-se o PT e seus aliados: o lado do descontrole social sobre o Estado e da privatização da gestão pública, com todas as suas conseqüências.
O aumento é uma afronta.
Num país em que grande parcela da população é miserável, vivendo de auxílios dos governos, e pior, em um Estado onde esta miserabilidade é das mais robustas, é um desrespeito afirmar que um salário, ou subsídio, de R$ 10 mil seja pouco. É uma afronta também aos servidores públicos municipais, que são chamados constantemente a resignarem-se com seus baixos salários, com perdas históricas advindas de outras gestões e das gestões do próprio prefeito João Paulo.
Com este aumento, o prefeito perdeu de vez, completamente, a autoridade moral para cobrar dos servidores compreensão com a realidade financeira da Prefeitura do Recife, como na questão da previdência municipal, cujo desconto nos vencimentos dos servidores vem aumentando significativamente na atual gestão, só para ficar em um exemplo.
A forma e o momento como o aumento foi processado demonstra uma lamentável e condenável malandragem política, envolvendo aí tanto a banda governista na Câmara de Vereadores, capitaneada pelo vereador Josenildo Sinésio, Presidente da Câmara, como também a dita oposição.
Ambos os lados cúmplices na malandragem.
A matéria tramitou na Câmara Municipal em regime "extra-pauta", ou seja, sem constar na ordem do dia, em segredo.
Foi aprovada por unanimidade em dezembro de 2006, exatamente no período em que a sociedade brasileira iniciava um levante contra o aumento de quase 100% nos salários dos deputados e senadores. É publicada no Diário Oficial na primeira semana de fevereiro, em meio às comemorações do centenário do frevo, com o povão em geral, e eu particularmente, em contagem regressiva para chegar ao ápice da folia.
Não é republicano, para usar um termo que está na moda nos discursos dos políticos, usar tais expedientes com o explícito objetivo de ludibriar a sociedade civil e seus movimentos sociais, assim como as forças políticas que exigem controle social sobre os agentes públicos.
Se o aumento é justo e necessário, se os argumentos são sólidos, por que então não se chamou uma Audiência Pública na Câmara para debater a questão e enfrentá-la com seriedade?
Para não ir tão longe na transparência, que seria exigir demais da turma do Josenildo e sua oposição de faz de conta, por que não tramitaram esta questão de forma normal, para que a imprensa e os "curiosos" pudessem observar a Ordem do Dia e constatar o tema na pauta?
A resposta é porque a surdina e a ausência de luz são os ambientes adequados para o exercício desse tipo de "esperteza".
A repercussão na imprensa local mostrou que os argumentos para justificar o aumento não são menos preocupantes.
Josenildo Sinésio fala em equilíbrio com salários de outros gestores de capitais, com salários de prefeitos de cidades do interior de Pernambuco, assim como a relevância da tarefa de administrar uma capital como Recife.
A lógica utilizada por Josenildo e seus colegas vereadores traz na sua essência a privatização da gestão pública, embora tenha também um forte componente corporativo, visando reajustes futuros dos próprios vereadores, que não devem ganhar mais do que o prefeito.
Os prefeitos de grandes cidades e os governadores, em sua grande maioria, estão buscando trazer para suas gestões executivos que trabalham no setor privado.
Ocorre que há um abismo inegável entre os vencimentos de executivos do setor privado e os gestores públicos.
A relação capitalista que existe entre capital e trabalho no setor privado, que "justifica" que uns poucos ganhem fortunas anuais e a grande maioria ganhe o insuficiente para reproduzir plenamente sua força de trabalho, é condenável.
Transferir isso para o setor público é inadmissível.
Com relação a isso, tenho que concordar com a vereadora Priscila Krause (PFL), quando esta declara na imprensa que quem opta por ser gestor público opta também por determinadas condições de vida.
Lugar de enriquecer não é no serviço público.
Pena que Priscila não raciocinou assim antes da imprensa tornar o caso público.
Mas, neste aspecto do problema há questões ainda mais graves.
A lógica de trazer gestores privados para o serviço público pressupõe a não utilização dos servidores públicos na composição dos primeiros escalões das administrações públicas.
Traz na sua esteira a constituição de gestões monolíticas, não colegiadas, que desprezam a natureza democrática de conselhos gestores, que envolvam o conjunto dos servidores públicos e a sociedade civil no processo decisório das estratégias e prioridades do Estado, assim como no ato cotidiano de governar.
Portanto, não estamos falando de um simples aumento salarial, mas de uma concepção privatista da gestão pública, que vai se construindo de forma camuflada em Recife, pois o prefeito petista e seu "secretário" na presidência da Câmara Municipal sabem que isto é muito incoerente com o discurso de governo popular.