A Fantasia do Prefeito Por Carlos Alberto Fernandes O carnaval é um evento que serve para fazer as pessoas cativarem seus sonhos pictóricos e, através de fantasias, incorporar personagens que jamais poderiam ser na vida real.

Exemplos são vários, tais como o Adão da burra, um engenheiro inteligente; o lorde de Olinda - um homem humilde, já falecido, que sempre usou o carnaval para se transformar num " lord" inglês com sua cartola, fraque, bengala e luvas brancas..

Isso também me lembra Duílio, que era separado e abandonou a família, mas no carnaval fazia questão de colocar uma penca de chocalhos na bunda e fazia fita e muito barulho com sete filhos a segui-lo em fila indiana.

Todos já devem ter cantarolado, a seu tempo, me dá um dinheiro aí!

Ou ensaiado uns passos na troça do "eu acho é pouco!

De outra parte, muitos se fantasiam de mulher para provocar os outros e até por desejos inconfessáveis se sentirem na pele do sexo oposto.

Nos salões reluzentes dos clubes sociais, muitas fantasias em concursos.

Muitos personagens, com indumentárias de época procurando viver momentos fugazes que o carnaval proporciona.

Suas fantasias são idealizadas como verdadeiros simulacros de personagens alheios ao caráter pessoal e ao cotidiano de suas vidas.

Uma dessas imagens que me chamou atenção, dentro do escopo do marketing político , foi o figurino do prefeito João Paulo Caneca.

Fantasiado do Frei, o prefeito desfilou pelos salões do Português como quem quisesse encarnar um homem de grande coragem e de múltiplas qualidades.

Um patriota brasileiro que imolou sua vida pelos seus ideais de liberdade, igualdade e justiça.

Um homem de luta que jamais tergiversou nem usou de comportamento ardiloso em função de interesses pessoais ou de grupos.

Um homem de bem e não de bens.Um mártir do povo.

Enquanto isso na "sala de justiça" da Câmara de Vereadores era urdida uma estratégia para a promulgação de lei concedendo aumento superior a 46,0 por cento para o prefeito e toda a cúpula da administração municipal.

Percentual baseado em critérios inteiramente desconectados da realidade inflacionária anual que é de aproximadamente 4,5 por cento.

Percentual que agrada aos beneficiários, mas que afronta qualquer racionalidade administrativa ou política.

Agride a consciência coletiva.

Torpedeia a confiança e a credibilidade do governante - mesmo em tempos de momo.

Mobilizados para a defesa do projeto, edis da situação e oposição apresentaram argumentos vários que nem mesmo constituem referência às suas histórias de lutas, nem tampouco aos cabelos brancos de alguns de seus membros.

Diante de tal despautério, o melhor é ouvir a recomendação, cheia de lucidez, do negrinho Manoel Bionga: calado mió.

Para aqueles que participaram do Baile Carnavalesco realizado pela Prefeitura nos salões privados de um clube social, talvez seja mais fácil compreender a decisão combinada com as lideranças políticas da Câmara Municipal.

A concessão de percentual de aumento tão abusivo, atinge a maioria da cúpula da administração municipal.

Os discursos das elites, apregoam que os gestores merecem ganhar bem pelo trabalho que realizam.

O que também acho muito justo.

Todavia, … já os trabalhadores dos escalões inferiores, a correção pela inflação é mais do que suficiente, pois o orçamento não permite.

A responsabilidade fiscal não admite.

Aos que ficaram em casa assistindo pela televisão a aparição em flashes de seu burgomestre, encarnado na fantasia de Frei Caneca, fica a perplexidade que gela e emudece à cata de explicações - que as elites beneficiadas correm a fazê-las acreditando que convencem.

Enquanto o prefeito João Paulo, protege sua imagem numa crise de sinusite repentina, os áulicos - como sinos de igreja do passado -badalam e badalam num ressoar cínico de explicações não convincentes.

Não se espantem quando as crianças perguntarem aos seus pais,pelo Frei Caneca que apareceu na televisão?

Não liga não filho, aquilo era só fantasia do prefeito.

Carlos Alberto Fernandes - é economista, professor da UFRPE, ex-secretário adjunto do Tesouro Nacional e autor do livro Contraponto - Poder, Política, Economia e Costumes.