Gustavo Krause* Há uma frase memorável de Franklin Roosevelt ao assumir a presidência dos EE.UU, diante nos enormes desafios daquela época: “Não temos nada a temer a não ser o próprio medo”.

Uma família carbonizada no automóvel e o martírio do menino João Hélio são dois contundentes exemplos que disseminam o medo e justificam uma pergunta que nada tem de metafísica: qual a graça e, até mesmo, o prazer de viver sob ameaça ou sob impacto da permanente dor pessoal ou universal que nos fere com a crueldade praticada contra nossos semelhantes?

Nenhum.

A razão é simples: maior temor do Presidente americano em relação ao seu povo tomou conta dos brasileiros, o medo, o medo das coisas simples como sair de casa ou, em casa, receber a visita indesejável do assaltante e da bala perdida; o medo da convivência; o medo da vida cotidiana ameaçada por uma violência sem limites.

E quando o mal da violência atinge uma criança, a revolta é incontrolável e a dor, insuportável.

A bem da verdade, as nossas crianças estão desprotegidas por nós, pais e cidadãos, aqui e agora, a quem não basta a responsabilidade de bem criar as famílias, famílias que irão conviver em sociedade assustadoramente perversa da qual fazemos parte.

Por outro lado, as nossas crianças estão ameaçadas, no futuro, por um projeto de civilização inviável e, sem qualquer exagero, suicida que nós, pais e cidadãos, construímos.

Neste sentido, dois eventos ocuparam a mídia neste mês de fevereiro: o trucidamento de João e o relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC/ONU).

Parecem não ter qualquer relação.

Mas têm.

Ambos ameaçam a vida em sentido amplo; comprometem o futuro próximo e remoto; acendem responsabilidades coletivas; criam dois tipos distintos de medo.

Como o risco da violência é próximo, visível, concreto, o medo é instintivo e gera alguma reação, privada ou púbica, ainda que inócuas; como o risco do desastre ambiental parece distante no tempo e no espaço, o medo não é visceral porque se fecham os olhos para a gravidade das águas enfurecidas, das secas impiedosas, das doenças epidêmicas, dos furacões devastadores.

Afinal, o Brasil é “Gigante pela própria natureza” e “nossos bosques têm mais vida e nossas vidas no teu seio mais amores”.

Ledo engano.

Os humanos estão destruindo sua morada, a Terra; uma casa viva, frágil e pequena para a cobiça incontida dos seus habitantes.

Está com febre e febre alta anunciando uma grave enfermidade: o aquecimento global.

Pelo menos três recentes publicações nos ajudam a entender a dimensão do fenômeno.

A primeira é o relatório já mencionado.

As conclusões, cientificamente embasadas, demonstram que a mão do homem tem jogado na atmosfera quantidades de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso tão volumosas que as perturbações darão razão ao cancioneiro nordestino: “o sertão vai virar mar” (Vê site: www.ipcc.ch/SPM2feb07.pdf).

A segunda é o livro de autoria de Al Gore (também filme documentário) com o título: Uma Verdade Inconveniente.

Depois de “repensar toda a vida – e minhas prioridades”, a partir de um grave acidente com o filho, o ex-Vice-Presidente de Clinton faz um consistente alerta, citando Luther King: “O amanhã já chegou”.

Apesar do dramático diagnóstico, Al Gore acredita na superação das dificuldades desde que o compromisso a ser assumido transcenda o político e seja “sobretudo, moral, ético, espiritual” e medidas urgentes e concretas sejam tomadas.

A terceira – A vingança de Gaia – é de autoria de um dos mais respeitados pensadores do nosso tempo, o inglês, quase nonagenário, James Lovelock.

Ele é o autor, ao lado de Lynn Margulis, da “Hipótese ou Teoria de Gaia” que alia teoria científica a uma metáfora para explicar a visão segundo a qual a Terra é um organismo vivo e não “algo inanimado como a infame ‘Espaçonave Terra’”.

Lovelock tem desafiado a tradição científica e o ambientalismo ortodoxo.

Todavia para ele, sua tese “é a base de um ambientalismo coerente e prático” e, dada a iminência da catástrofe, propõe uma “retirada ordenada” para salvar a civilização pela expansão da energia nuclear “como um pequeno preço a pagar” o que deixa de cabelo em pé, na sua definição, o “romantismo verde”.

Desta forma, a questão ambiental volta e volta com toda força como tema central da agenda internacional.

Questão que sempre foi central para a humanidade e periférica para os governos, contradição que senti na própria pele quando exerci o cargo de Ministro do Meio Ambiente.

Para os menos sensíveis a força da questão ambiental, em cuja base está a vida dos nossos filhos, é a força do medo, difuso, porém crescente, de não assegurar-lhes a sobrevivência no futuro; para os mais sensíveis e clarividentes é a força de solene compromisso político, ético e espiritual para com os nossos descendentes.

Caso contrário, a história escreverá, mais uma vez, o patético epitáfio, já escrito, sobre os escombros das várias civilizações destruídas: tarde demais. *Gustavo Krause, 60, iniciou sua carreira pol?tica em 1975.

Foi prefeito do Recife (79/82), vice-governador e assumiu o governo quando o Magalhães deixou o cargo para disputar o Senado, em 86.

Assumiu o Ministério da Fazenda do Brasil durante o governo Itamar Franco, em 1992.

Em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, assumiu o Ministério do Meio Ambiente, onde permaneceu até 1998.