Por Edilson Silva* Tomo emprestado o termo ex-querda do professor Roberto Romano – Filosofia/UNICAMP, extraído de recente entrevista dada por ele ao Correio da Cidadania.
Para o professor, Lula é o maior representante desta nova “categoria” que dispensa maiores explicações.
A não ida de Lula ao 7º Fórum Social Mundial, ocorrido entre os dias 20 e 25 de janeiro em Nairobi, no Quênia, é simbólica.
Sua ida a Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial, evento anual da nata capitalista internacional, na mesma data, é mais que simbólica, é uma indisfarçável opção política.
Na mesma semana em que se dirigia a Davos, Lula lançou o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, que trouxe no seu DNA, mais uma vez, a revelação do descompromisso do governo petista com as demandas estratégicas dos segmentos populares e também do meio ambiente, causas obrigatórias de qualquer esquerda com um mínimo de honestidade.
Enquanto isso, na mesmíssima semana, o Banco Central baixava a taxa de juros (Selic) em apenas 0,25%, frustrando as expectativas dos mais otimistas, que previam uma queda de pelo menos 0,5%, o que seria menos contraditório com o artificial ambiente político de lançamento do PAC.
Esta contradição tem um forte cheiro de charlatanismo, daqueles nada sofisticados, do tipo “espetáculo do crescimento”. É assim que está começando o segundo mandato do presidente Lula.
Sinalizações contundentes, logo no primeiro mês, dos descaminhos da ex-querda.
Voltando ao Fórum Social Mundial, algumas declarações, que não são da chamada esquerda radical, falam um pouco desta opção de Lula: “… a idéia de promover a coincidência de datas entre os dois eventos, (Fórum Econômico Mundial e Fórum Social Mundial) desde a criação do Fórum Social Mundial, em 2001, era fazer as pessoas escolherem seus caminhos, dizerem onde se sentem mais identificadas…
As pessoas vão onde acham importante estar".
Declaração de Oded Grajew, organizador do FSM, ex-assessor de Lula e atual presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. (Folha On Line, 20/01). "[A AUSÊNCIA] sinaliza que há uma mudança de rumos no governo Lula e na figura do próprio presidente Lula do ponto de vista da sua relação com a esquerda".
Declaração de João Paulo Rodrigues, Coordenador Nacional do MST e do Comitê Organizador do FSM (Folha On Line, 20/01).
Talvez já refletindo seu desconforto com a opção de Lula por Davos, o mesmo João Paulo Rodrigues, do MST, ainda no Fórum Social Mundial, desabafa: “Não há avanços, não há novos assentamentos, não há modelos para mostrar ao mundo.
Não houve desconcentração de terra no Brasil durante o governo Lula” (O Estado On Line, 23/01).
De volta ao PAC, o líder do MST deverá ficar ainda mais insatisfeito com Lula ao saber que nas 102 páginas que apresentam o plano, que se encontra integralmente no sítio da Presidência da República, não há uma única referência à Reforma Agrária.
A Reforma Agrária, sem a qual o Brasil mantém-se com um pé ainda no pré-capitalismo, é a ante-sala de todas as reformas, e tem relação direta com o desinchaço das grandes cidades, com interiorização do desenvolvimento, agroecologia, diminuição da violência urbana, além de ser uma demanda que impulsiona os movimentos sociais mais radicalizados do Brasil. É esta Reforma que não recebeu do PAC de Lula sequer uma citação genérica.
Nem que fosse para evitar que críticos da oposição de esquerda, como eu, percebessem tão rapidamente tamanha discrepância.Mas o PAC vai além, para o mal da maioria.
Estabelece previamente a manutenção do arrocho salarial sobre o funcionalismo nos próximos 10 anos, ao impor um teto de aumento real da folha de pagamento de 1,5% ao ano.
Para os assalariados, o salário mínimo estará vinculado ao crescimento do PIB de dois anos antes, acrescido da inflação.
Em 2008, portanto, pelo PAC, o salário mínimo deverá ter uma elevação de aproximadamente 4%, numa previsão otimista.
Estas duas medidas buscam conter gastos do governo para garantir a “sua” contra-partida nos investimentos previstos, somando-se a outras, como a nova Reforma da Previdência, o bote no FGTS e as privatizações via PPPs (Parcerias Público Privadas).
Não pretendo nesta reflexão entrar no mérito da relevância das obras e ações anunciadas ou previstas no PAC, pois o espaço deste artigo não permite.
A questão que levanto aqui é quem paga a conta, quem sacrifica o quê.
E os trabalhadores, assalariados, aposentados, servidores públicos das três esferas, a classe média, os micro, pequenos e médios empreendedores, enfim, a esmagadora maioria da população, não suportam mais pagar a conta, enquanto o governo anuncia, no mesmo PAC, que os banqueiros continuarão ampliando o lucro de sua agiotagem, patrocinada por este mesmo governo.
Juros nas alturas e superávit primário acima de 3,75%.
Se o PAC for integralmente aprovado, impondo mais sacrifícios para a maioria da população e um maior engessamento do mercado consumidor interno, em benefício dos segmentos exportadores, somará um volume de investimentos de aproximadamente R$ 503 Bilhões no segundo mandato de Lula.
Triste coincidência, em seu primeiro mandato Lula destinou soma semelhante à agiotagem, mais precisamente R$ 507 Bilhões.
Ou seja, um PAC inteiro e mais R$ 4 Bilhões de lambuja.
Não dá para aceitar que enquanto a maioria da população é “chamada” a pagar a conta da duvidosa aceleração do crescimento, o governo reserve em seu orçamento de 2007 nada menos que R$ 270 Bilhões para o pagamento de juros e amortizações das dívidas interna e externa, quantia semelhante àquela executada em 2006, que foi de R$ 275 bilhões, ou seja, 36,70% de todo o Orçamento Geral da União.
Neste mesmo orçamento de 2006, os gastos executados com educação foram equivalentes a 2,27%, com cultura 0,05%, com habitação 0,01%, gestão ambiental 0,16%, com segurança pública 0,44%, desporto e lazer 0,04% e (pasmem!) saneamento 0%.
Os números falam por si, e o PAC só agrava esta situação, pois coloca sobre os ombros da maioria da população boa parte dos gastos com os investimentos anunciados.
Davos, PAC e os banqueiros são as inaceitáveis opções de Lula e sua ex-querda.
Neste cenário, a sociedade civil e suas organizações, as forças políticas de esquerda, democráticas e populares, e todos os segmentos da sociedade que têm compromisso com a melhoria real das condições de vida de nosso povo, com um Brasil soberano e com respeito ao meio ambiente, estão convocados a dar sua palavra. *Edilson Silva, 38 anos, é tecnico industrial e ex-candidato ao governo do Estado pelo PSol, partido que dirige em Pernambuco.
Edilson Silva também é membro da executiva nacional da sigla.