Com o compromisso de fazer exames médicos hoje, Fernando Lyra, novo colaborador do Blog do JC, adiou para a próxima quinta-feira a sua estréia neste espaço eletrônico, cada vez mais plural, onde já escrevem Luciano Siquiera (PC do B) e Gustavo Krause (PFL).
Como promessa é d?vida, divido com os leitores a reeleitura de artigo publicado originalmemte na virada do ano, no caderno de Opiniões do Jornal do Commercio.
Para quem não havia lido, é novidade.
Para quem já leu, vale a pena a reflexão que o ex-ministro nos propõe.
PS: As fotos que ilustram o artigo foram feitas no dia 03 de janeiro, no mesmo dia em que o artigo foi publicado pelo JC, durante a visita que o governador eleito Eduardo Campos (PSB) fez à comunidade Ilha de Deus, na parte menos nobre da Zona Sul do Recife, ao lado do seu secretariado.
Como fez Lula, logo no in?cio do primeiro governo.
Ano Novo Fernando Lyra* O caderno especial publicado por este JC sobre o poeta João Cabral de Melo Neto é, além do mais um exemplo de bom jornalismo, um est?mulo para nossa reflexão sobre o futuro.
Sobre o futuro porque, apesar de tratar de um poema publicado há tanto tempo – e com reflexos ainda nos dias atuais – nos provoca e motiva a responsabilidade. É nisso que pensamos quando festejamos os 60 anos de Geografia da fome, de Josué de Castro, e os 50 anos de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto.
Infelizmente, o que eles têm em comum não é somente serem obras-primas. É que sobrevivem com pungente atualidade.
Semana passada, conversando com uma amiga que mora nos EUA, falávamos de como lá se adotam instituições e pa?ses africanos para assistir.
Pensei nas nossas áfricas cotidianas.
Lembrei-me de que João Cabral disse certa vez que resolveu fazer poesia social quando se deu conta de que as elites pernambucanas organizavam donativos para assistir às grandes catástrofes naturais na ??ndia, mas não enxergavam a miséria à margem dos seus rios.
Também Josué de Castro, no começo do seu livro mais famoso, lembrou de que “quando se lê ou se ouve falar em fomes coletivas (…) as primeiras imagens que assaltam a nossa consciência de homens civilizados são imagens t?picas do Extremo Oriente.???
Não é só a miséria nossa de cada dia que mantém atuais textos assim. É a mentalidade da nossa elite.
E nisso devemos nos remeter ainda ao in?cio do século 20 ou meados do século 19.
Até Joaquim Nabuco.
Ele conta, em Minha formação, que foi num episódio de infância que extraiu a lição definitiva sobre a escravidão: “Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de 18 anos, o qual se abraça aos meus pés suplicando-me, pelo amor de Deus, que o fizesse comprar por minha madrinha, para me servir.
Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida…???
O escravo trocando uma violência maior por outra mais “amena???, como o destino do menino previsto pela cigana de Morte e vida severina, que é trocar um mocambo às margens de um rio por um mocambo “melhor??? às margens de outro.
Em 40 anos de vida pública lutamos contra a ditadura e a vencemos.
Temos uma important?ssima democracia institucional.
Mas isso já faz 20 anos.
E precisamos com urgência avançar mais.
Conquistar a democracia social.
Num quadro de tanto injustiça, não se deve menosprezar um só instrumento para melhorar fam?lias inteiras de “severinos iguais em tudo na vida???.
Da? o sucesso de poemas como o de João Cabral e de programas como o Bolsa-Fam?lia.
Da? também o preconceito da elite conservadora contra o presidente Lula: É como se ela – tão especialista em clientelismo dirigido – dissesse a si mesma: por que não pensei nisso antes? Às vésperas de mais um novo ano, otimistas incuráveis que somos, cremos num mundo melhor, mais justo e mais fraterno.
Um ano tão bonito como uma nova criança que nasce: “belo porque tem do novo/ a surpresa e a alegria./ Belo como a coisa nova/ na prateleira então vazia./ Como qualquer coisa nova/ inaugurando o seu dia./ Ou como o caderno novo/ quando a gente o principia./ E belo porque com o novo/ todo o velho contagia./ Belo porque corrompe/ com sangue novo/ a anemia./ Infecciona a miséria/ com vida nova e sadia./ Com oásis, o deserto,/ com ventos a calmaria. *Fernando Lyra é advogado e presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
Foi um dos fundadores do PMDB, ainda na época em que era MDB.
Lutou fortemente contra as arbitrariedades do Regime Militar.
Em 1967 se elegeu deputado estadual.
Durante o governo Sarney, Lyra foi Ministro da Justiça (85/86).
E também foi candidato à vice-presidente na chapa de Leonel Brizola em 1989.
Em 1971, é eleito para uma vaga na Câmara Federal, onde permaneceu por 28 anos, num total de sete mandatos consecutivos.
Fernando Lyra é irmão do vice-governador do Estado João Lyra.