Alto escalão policial invade mercado da vigilância O mercado milionário das empresas de segurança privada foi invadido pelo alto escalão das policias de Pernambuco.
De olho nos lucros de um setor que já movimenta 10% do PIB do Pais, delegados e oficiais da Policia Militar, na ativa e na reserva, institucionalizaram a atividade paralela e transformaram o \bico, comum entre os praças e agentes, numa atividade de luxo.
A \viração\ entre os policiais graduados cresce a cada dia, aproveitando a explosão da violência no Grande Recife.
Atualmente, esse mercado emprega 8,5 mil pessoas, sem contar os 11 mil homens que integram um verdadeiro exército clandestino.
O JC constatou que em dez empresas cadastradas na Junta Comercial e na Pol?cia Federal, órgão responsável pela fiscalização dessa atividade, os policiais gerenciam, são donos ou têm algum envolvimento com firmas de segurança privada.
A participação de oficiais e delegados nessa atividade põe em xeque a ética, fere a legislação e, o que pior, conta com a tolerância das autoridades e da própria sociedade.
A reportagem é de Ciara Carvalho e Ricardo Novelino.
Exercer atividades fora das pol?cias Militar e Civil deixou de ser um \bico\ exclusivo dos praças e agentes.
Virou negócio de luxo.
Chegou ao alto escalão das duas corporações e já se transformou numa prática institucionalizada.
Oficiais e delegados da ativa e da reserva descobriram o filão do mercado de segurança privada e estão ganhando dinheiro com a insegurança e a violência que, como funcionários públicos, eles são pagos para combater.
Um achado valioso: o setor de vigilância privada já corresponde a 10% do PIB nacional e é o que mais cresce no segmento de serviços.
Em Pernambuco, ele emprega no mercado formal 8,5 mil pessoas.
Quando se trata do comércio clandestino, esse número chega a 11 mil.
O problema é que, embora seja rentável, a atividade paralela é ilegal.
Infringe, pelo menos, duas leis federais e uma estadual.
E esbarra num ponto delicado: a questão ética.
A participação de oficiais e delegados virou fato tão corriqueiro que, dentro das corporações, é consenso que essa é uma prática dif?cil de ser quebrada.
O ex-comandante da Pol?cia Militar coronel Antônio Menezes, hoje na reserva, dá a dimensão do problema. "No momento, comandante nenhum tem condições de barrar ou impedir esse tipo de atividade entre os graduados.
Eu desconheço autoridade policial que conseguiu fazer isso.
Nem antes de mim, nem depois." O próprio coronel Menezes começou a atuar no setor privado quando ainda era da ativa.
Entrou para a Nordeste Segurança de Valores nos tempos de major e hoje é superintendente na área de segurança da empresa.
Sempre citado como "o exemplo clássico" desse tipo de prática, faz tempo que o coronel Menezes não está mais sozinho.
Dados da Pol?cia Federal, órgão responsável pela fiscalização do setor, mostram o poder dos policiais graduados dentro do mercado de segurança privada de Pernambuco.
Das 45 empresas de vigilância cadastradas na PF, o Jornal do Commercio descobriu que, em pelo menos dez firmas, oficiais e delegados atuam como proprietários, funcionários ou têm algum tipo de v?nculo com a empresa.
EM NOME DA MULHER Nos registros da Junta Comercial do Estado foram identificadas três empresas de vigilância que têm mulheres de oficiais ou delegados como proprietárias.
A Multforte Segurança Ltda. está registrada no nome de Sibery Martins Sampaio, esposa do coronel José Carlos da Mata Sampaio, ex-comandante do 6º Batalhão da Pol?cia Militar (BPM), em Prazeres.
O coronel chegou a admitir que era o proprietário, mas depois alegou que a Multforte era da esposa e de outro sócio e que ele apenas gerenciava os negócios. "Não vejo problema em trabalhar nos dois lugares.
Trabalho das 7 às 13h na PM e tenho os sábados, domingos e dias de folga para atuar na empresa", afirmou o coronel Sampaio.
Na mesma situação está a Rastrear Segurança e Tecnologia Ltda., que tem como sócia majoritária Eliane Maria de Melo, casada com o coronel Fernando Pereira de Melo, ex-chefe da Assessoria Militar da Assembléia Legislativa e hoje na Diretoria de Ensino da PM.
A empresa atua na área de rastreamento por satélite de cargas roubadas.
O coronel Fernando foi procurado, mas não retornou as ligações do JC.
A mulher dele, no entanto, afirmou que o oficial não tem nenhuma participação nas atividades da Rastrear.
Já na Klaus Costa Segurança e Vigilância de Valores, o nome de Augusto Costa, ex-secretário de Segurança Pública e atual diretor do Departamento de Proteção à Vida da Pol?cia Civil, consta na lista de sócios da empresa.
Fazem parte também da sociedade a mulher do delegado, Carolina Klaus Diniz Costa, e mais duas pessoas.
Dizendo-se "sócio quotista", Augusto Costa defende a prática do \bico\ entre os policiais, justificando que eles ganham baixos salários e não têm motivação. "Tem delegado ganhando um terço do que ganha um juiz", comparou.
CORREGEDORIA O envolvimento de policiais com empresas de segurança privada já motivou até abertura de sindicância dentro da Corregedoria da Pol?cia Militar.
Em 8 de outubro de 1998, foi aberta uma investigação para apurar a denúncia contra o capitão Cláudio dos Santos Silva, que estaria recebendo R$ 10 mil, por mês, para colocar policiamento no Hospital Memorial São José e Cl?nica Santa Helena, no Recife.
O oficial foi acusado de desviar PMs que estavam de serviço para atuar na segurança das unidades.
Por causa da denúncia, ele foi transferido do Batalhão de Rádio Patrulha para o 10º BPM, em Palmares, onde está lotado.
Embora a sindicância ainda não tenha sido conclu?da, o capitão garante que nada foi comprovado no processo de investigação. "Isso foi uma denúncia anônima sem nenhum fundamento.
Nunca desviei policiais de função, nem recebi dinheiro algum." Em outra sindicância, instaurada em 28 de setembro de 2000, o major da reserva David Oliveira do Nascimento foi acusado de ter agredido uma pessoa nas dependências da Casaforte Vigilância e Segurança, fato que não foi comprovado na investigação.
Até o ano passado, a Casaforte era registrada na Junta Comercial e na PF em nome do major David e de mais dois sócios: Albany Neves Braga, esposa do major Nelson Gomes Braga, comandante do 10º BPM, e de Fátima Lourdes Fernandes Maranhão.
Atualmente, constam como donos da empresa quatro novos sócios. "Agora eu atuo apenas como consultor e auxilio no gerenciamento operacional", declarou o major David.
Já o major Braga afirmou que faz contatos comerciais para a empresa, mas só quando dispõe de tempo.
Uma das poucas vozes entre os oficiais a criticar publicamente esse tipo de prática na corporação, o tenente-coronel Aureliano Correia, chefe do Estado Maior do 1º Comando de Policiamento do Interior, avalia que os limites entre o público e o privado na questão da segurança estão se perdendo. "A veia ética foi quebrada pelo aparelho policial.
Isso é reflexo do próprio comportamento omisso da sociedade, que não cobra do Estado as mudanças necessárias." Professor de Ética do Curso de Formação de oficiais da PM, o tenente-coronel diz que, dentro das pol?cias Civil e Militar, as autoridades adotam a mesma postura permissiva. "Internamente, tudo fica no perigoso campo da tolerância." Matéria publicado no JC do dia 08.04.2001