Por Sérgio Montenegro Filho Repórter especial de Pol?tica do JC O deputado federal Roberto Freire (PPS-PE) definiu bem o reajuste autoconcedido pelos deputados e senadores às vésperas do fim do mandato.
Classificou a atitude como "o canto do cisne de uma legislatura que foi um desastre".
Para quem não entendeu a expressão, diz-se que o "canto do cisne" são as últimas realizações de alguém.
Antigamente costumava-se afirmar que o cisne emitia um lindo canto quando estava prestes a morrer.
No caso dos nobres parlamentares, é preciso discordar ao menos da palavra "lindo" a? inserida.
Na verdade, foi feio, horroroso mesmo, esse "canto final" da atual legislatura.
O lamentável é que, para a ampla maioria dos senhores congressistas, o julgamento da sociedade parece pouco importar.
Assim como parecem não ligar a m?nima para o fato de a maioria esmagadora dos eleitores que os colocou lá ser formada por trabalhadores que vivem de salário m?nimo.
Para os que só agora estão tomando conhecimento desse reajuste inusitado, a legislatura que termina agora em janeiro é a mesma que inocentou deputados mensaleiros, poupou colegas de acusações de corrupção e teve a maior complacência com figuras do Executivo envolvidas com denúncias de malversação do dinheiro público.
Agora, ao se despedirem - e nem todos, porque boa parte estará de volta em fevereiro, para mais quatro anos de "mandato" - resolvem deixar uma marca indelével, fechar com chave de ouro essa passagem desastrosa pela chamada Casa do Povo: tomam como base um decreto legislativo editado em 2002, que previa a equiparação dos vencimentos parlamentares com os dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e concedem a si próprios um modesto reajuste de 91%.
O impacto desse "agrado" salarial nos cofres públicos é assustador: cerca de R$ 1,7 bilhão ao ano.
Graças ao efeito cascata que o aumento promoverá nos legislativos estaduais e municipais.
Traduzindo: quando os deputados federais recebem aumento, cada uma das 27 assembléias legislativas estaduais pode reajustar os salários dos seus integrantes em até 75% dos salários dos congressistas.
Já os vereadores das capitais podem aumentar os seus vencimentos em até 75% dos estaduais.
Haja dinheiro.
A pergunta seguinte é: alguém ainda consegue se surpreender com alguma atitude do Congresso Nacional?
Pois bem, um pequeno grupo de parlamentares decidiu ir à Justiça contra o aumento.
Entre esses "rebeldes" estão nomes reconhecidamente sérios, que merecem crédito.
Entraram com um mandado de segurança no STF para tentar suspender o reajuste e devem ingressar também com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo.
Outra possibilidade cogitada por eles, porém, deve cair no rid?culo: unificar as duas ações, recolhendo a assinatura do maior número poss?vel de parlamentares para um ato de protesto.
A questão é que, dos 594 congressistas brasileiros, apenas 13 se posicionaram contra o aumento.
Os demais são a favor, ou pelo menos devem ser, porque estão calados.
São cisnes que sequer cantam.