Por Sérgio Montenegro FilhoRepórter especial do JC e colunista do JC OnLine Tenho o maior respeito pelos vizinhos chilenos, que sofreram na pele horrores semelhantes aos impostos ao povo brasileiro pelo regime de exceção.
Mas não consigo entender como se pode comemorar a morte de qualquer pessoa, ainda que se trate do general Augusto Pinochet, pol?tico que a própria história classifica como frio, calculista e sanguinário. É fato notório que foi ele o principal responsável por uma das ditaduras militares mais cruéis da história moderna.
Um regime que, ao longo de 17 anos, deixou um tenebroso saldo de aproximadamente 3 mil mortos e desaparecidos, mais de 30 mil v?timas de tortura e inúmeros presos pol?ticos.
Mas talvez por isso mesmo fosse melhor que tivesse permanecido vivo.
Morto, Pinochet não pode mais ser julgado e condenado pelo tribunal dos homens.
Só pela história, e ainda assim o ex-ditador terá defensores, que se ocuparão de deixar sempre um m?nimo de dúvida se ele não teria agido certo ao combater as forças de esquerda no Chile.Faço esse alinhavo para relembrar as duas décadas de regime de exceção no Brasil.
Por ironia, muitos dos que eram perseguidos pelos órgãos de repressão por aqui terminavam cruzando a fronteira chilena para abrigar-se no regime progressista de Salvador Allende, encontrado morto em 1973, após o golpe militar.
Mas não foi de todo surpreendente que as forças de Pinochet se insurgissem contra o regime democrático de Allende.
Tomando emprestada uma expressão cunhada pelo ex-presidente Jânio Quadros para justificar sua renúncia, naquela época "forças terr?veis" se espalhavam pela América Latina, enveredando pelos bastidores da pol?tica, patrocinando forças conservadoras civis e da caserna com o objetivo de deter o "avanço comunista" no continente.
Essas forças bancaram ditaduras no Brasil, no Chile, na Argentina e em vários outros pa?ses americanos situados abaixo do Trópico de Câncer.
Uma olhadinha num mapa mundi e o caso estará elucidado.
Agora, a morte de Pinochet suscita novos debates sobre um passado que insiste em permanecer.
Um cenário que deixou marcas profundas, não só na carne, mas sobretudo no orgulho de um pa?s e do seu povo.Ele realmente deveria ter sido julgado antes de passar desta para melhor - e digo melhor mesmo, porque o inferno do general tinha tudo para ser curtido por aqui, na Terra.
Ao falecer - de causas naturais - o ex-ditador já respondia a mais de 300 processos por violação dos direitos humanos.
Mas nada disso atrapalhava a sua rotina.
Aos 91 anos, embora adoentado, Pinochet vivia em prisão domiciliar, mas numa boa casa, perto de seus familiares.
Nenhum deles, aliás, desapareceu na onda militarista chilena.
No Brasil, a situação é absolutamente a mesma.
A anistia "ampla, geral e irrestrita" livrou da Justiça torturadores notórios.
Gente que matou e massacrou seus semelhantes, não importa se a mando de patentes superiores ou por um prazer macabro - como lamentavelmente alguns deles chegaram a admitir durante as sessões de tortura.
Para não despertar a ira dos defensores do regime de exceção, reconheço que do outro lado houve, sim, quem também puxasse o gatilho.
A diferença, porém, estava entre os que faziam isso de forma clandestina - achando, equivocadamente, que essa era a maneira correta de resistir - e os que receberam autorização oficial para o "trabalho".
Dá calafrios só de pensar que um jovem, ao se alistar nas Forças Armadas ou se filiar a um partido pol?tico adepto da luta armada, poderia terminar indicado para uma função como essa.
Hoje não é mais assim, claro.
Mas quem fez - e quem mandou fazer -, ainda que naquela época, permanece impune.
Espantoso seria saber que dormem, tranqüilos, todas as noites.
Pinochet, ao que parece, dormia.