Por Pierre Lucena*Professor e administrador pierre.lucena@contagemweb.com.br Em 2003, o UM-Habitat, Programa das Nações Unidas para as Favelas, lançou um relatório chamado The Challenge of Slums, algo como “O Desafio das Favelas”, retratando as mazelas das sociedades tomadas pelos assentamentos de baixa renda.

Este estudo mostra que no mundo existem mais de 200.000 favelas, e que aproximadamente 1 bilhão de pessoas vivem em alguma moradia classificada como assentamentos informais, sem condições de higiene, saneamento e renda necessários para a sobrevivência de maneira digna.

Esta semana a TV Jornal fez uma excelente reportagem sobre o outro lado do para?so de Porto de Galinhas.

Este não tem nada de glamoroso e retrata o lado sombrio do crescimento desordenado, influenciado por omissão e descaso do Poder Público.

Quando visitamos Porto de Galinhas, que faz parte de Nossa Senhora do Ó, um distrito de Ipojuca, só conhecemos a economia pujante, impulsionada pelos milhares de empregos que o desenvolvimento tur?stico traz.

Mas não foi dada a devida atenção a um fenômeno claro, que sempre acontece a uma região em crescimento econômico com pobreza por perto: o êxodo populacional.

Bastava pensar um pouco, que seria clara a percepção de que o balneário receberia uma legião de desempregados, esperançosos por alguma alternativa de sobrevivência, principalmente pela sazonalidade da economia sucroalcooleira da região.

O resultado, antecipado pela TV Jornal, e que será agravado nos próximos anos, é a imensa favela em que o balneário irá se transformar, ainda longe dos olhos da população de classe média recifense e dos turistas.

Isto já foi alertado há alguns meses pelo Professor José Raimundo Vergolino, em seminário promovido pelo Sistema Jornal do Commercio.

A situação exige cuidados, e o poder público precisa tomar algumas medidas, principalmente pelo que vem nos próximos anos.

Estou me referindo à construção da refinaria de petróleo, que segundo previsões do Presidente de Suape, Matheus Antunes, irá demandar aproximadamente 15.000 pessoas, apenas no canteiro de obras.

A pergunta é: onde estas pessoas irão residir?

Além disso, o que será feito para que Porto de Galinhas, o maior referencial tur?stico do Estado, não receba mais estas pessoas de forma desordenada, formando no seu entorno um enorme favelão, que irá simplesmente transformar o balneário em uma região de violência e desigualdades, além de submeter as pessoas a uma situação de pobreza extrema, sem distribuir os frutos da economia local?

Os investimentos que a região receberá devem ser usufru?dos também pela população local, através de serviços públicos que tornem as condições de sobrevivência mais dignas.

Se aceitarmos que a refinaria encha os cofres da Prefeitura e a favela-mangue continue a crescer, a omissão vai se configurar. É preciso tomar decisões firmes, como a proibição das construções em áreas de mangues, que agridem o meio ambiente e submetem as pessoas a uma condição desumana de sobrevivência.

Quem deve morar no mangue é o caranguejo, e não uma fam?lia, mesmo que esta precise de um lugar para morar.

A Prefeitura deve encontrar uma solução que contemple dignamente estas pessoas.

Essa falta de atitude do poder público em coibir construções irregulares, transformará o entorno de Porto de Galinhas no que Mike Davis, em seu estudo “Planeta Favela”, conceitua como “favela-lixo”, que é a junção do lixo urbano com os migrantes indesejados.

O que estamos vendo é um fluxo migratório de empresas e pessoas que nem sempre respeitam o meio ambiente, como podemos observar através de muitas construções em Maraca?pe.

Todos acabam se achando no direito de fazer valer sua vontade.

Cabe ao poder público local encontrar uma solução ambientalmente adequada, socialmente justa, e isso vale para o rico e para o pobre.

Porto de Galinhas hoje é o retrato do descalabro das construções, tanto à beira-mar quanto à beira do mangue.

O triste é ver isso acontecer e saber onde vai chegar.

Não podemos aceitar a favela como o futuro urbano de Porto de Galinhas.

Muito menos olhar para o mar, ficando de costas para a favela. *Pierre Lucena, 35, doutor em finanças pela PUC-Rio, Mestre em Economia e Administrador pela UFPE, é professor-adjunto da Universidade Federal de Pernambuco, sócio da Contagem Consultoria Estratégica e Pesquisa.

Foi secretário-adjunto de Educação do Estado. É Coordenador do Núcleo de Finanças e Investimentos do Departamento de Ciências Administrativas da UFPE (NEFI).