Por Luiz Otavio Cavalcanti*Ex-secretário do Planejamento e da Fazenda de Pernambucolotavio@fsm.com.br Há dois Lulas.
O do Pa?s real.
E o do Pa?s formal.
Há o Lula que fala ao Pa?s e ao povo que trabalha, come e vota, em com?cios e inaugurações.
E há o Lula que administra o governo, autoriza despesas, discute pol?ticas públicas e quer crescimento anual da economia de 5%.
Como eles vão se encontrar na prática administrativa?
A eleição deste ano mostrou grande mudança na relação entre Partidos Pol?ticos e eleitores.
Muitos pol?ticos, em geral perplexos, não compreenderam o que se passa.
Os Partidos ficaram quase paralisados.
Não houve debate objetivo sobre os principais problemas do Pa?s.
Lula o evitou e Alckmin não o produziu.
Mas, o Pa?s está se modernizando.
A economia continua estável.
A sociedade está mais complexa.
Surgem no espaço civil e público novos atores.
São entidades sociais, de natureza privada, integradas a redes de prestação de serviços à comunidade e voltadas para pesquisas da realidade econômica e social.
Estão situadas longe de sindicatos tradicionais.
Mudam os processos de formação de opinião, alteram a natureza das relações pol?ticas.
Invertem a pirâmide de poder eleitoral.
Novos fatores passam a influir na decisão de votar.
Os canais antigos de vinculação eleitoral concorrem com novas posturas.
Essas são mais abertas e ligadas a necessidades de grupos organizados.
O clientelismo tradicional continua em vigor.
Mas um novo código social, sob forma de redes coletivas, começa a operar seus resultados.
Essa maneira de atuar politicamente corresponde a um tipo de despolitização porque para aquelas redes só interessam temas de sua preocupação espec?fica.
Passam à margem de discussões partidárias, ficam distanciadas do discurso das lideranças pol?ticas convencionais.
Algum Partido está reconhecendo essas modificações?
Algum, entre eles, está se preparando para encará-las adequadamente?
Há uma nova base social de apoio à espera da visita e da ação dos pol?ticos.
Na verdade, como disse o diplomata Rubens Barbosa, entramos em outra fase da vida pol?tica brasileira.
Há uma alteração de agenda e de meios de comunicação de massa, a internet e os blogs.
E há uma exigência processual: a atividade pol?tica voltada para os grupos sociais tem que ser continuada, permanente e profissional.
O aumento da rede de atendimento social do governo fez de Lula o destinatário da confiança de milhões de pessoas.
Ato emblemático, como o almoço com os catadores de papel no Palácio da Alvorada, confirma a percepção que o Presidente tem do quadro pol?tico.
Lula está muito adiante de seus adversários e de seus próprios companheiros.
Ele antecipou-se a todos na gestão pol?tica.
Ele percebeu as caracter?sticas do cenário social brasileiro e criou uma afinação vibrante com grande parte da população.
Este é o Lula do Pa?s real.
Diferente deste Lula do Pa?s real, o Lula do Pa?s formal está defasado em relação a sua própria ambição de crescimento.
Demonstra fragilidade gerencial.
Encontra obstáculos na equipe para atender as expectativas relacionadas com o desempenho do governo.
Exibe dificuldade para formular um projeto consistente de desenvolvimento.
Na realidade, desde o primeiro mandato, Lula não preparou um Plano de governo.
Descentralizou as ações no território do Palácio.
Entregou a gestão econômica a Antônio Palloci e a gestão pol?tica a José Dirceu.
E encantou-se com a pol?tica externa de Celso Amorim que buscava consagrar o presidente brasileiro como l?der continental.
Prevaleceu a visão pobre do curto prazo.
O cotidiano feroz dos problemas emergentes comeu o governo pelas beiradas.
Veio a campanha para o segundo mandato.
O candidato Lula, mais uma vez, não elaborou uma proposta de governo, não definiu prioridades e não fixou pol?ticas claras para setores estratégicos da economia do Pa?s.
Venceu com o Bolsa Fam?lia e a face marqueteada de filmetes de TV.
Por isso, o vitorioso Lula é um presidente sem plano.
O vencedor Lula é um pol?tico com mandato e sem programa.
Esse cenário aponta para duas conseqüências: a primeira é a falta capacidade de formulação do governo.
Essa ausência de espaço para criar, para pensar estrategicamente, para formular alternativas e para gerar possibilidades de ação é grave.
Porque diz respeito à perda de direção que pode tomar o destino de 180 milhões de brasileiros.
Porque se refere à eliminação de oportunidade para milhares de empresas.
Porque tem a ver com o prolongamento de taxas de crescimento do PIB med?ocres, em média inferiores a 3%.
Depois de uma década perdida.
Porque paralisa socialmente o que poderia ser um dos mais bonitos projetos de desenvolvimento de um Pa?s no trópico.
A segunda conseqüência é o risco pol?tico que decorre da estagnação econômica.
O bloqueio ao crescimento mais acelerado da economia impede o aumento da oferta de emprego.
Há um estoque de mais de dez milhões de desempregados no mercado.
E anualmente ingressam nesse campo mais de um milhão de não ocupados.
Por outro lado, a queda de esperanças em relação à aposta eleitoral feita em liderança carismática e forte, como Lula, gera frustrações populares.
O caminho do desencanto pol?tico pode ser a sedução em favor de alternativas não convencionais.
Foi assim com Collor.
Por isso, mesmo arcando com todas as arengas de coalizões partidárias, o Presidente tem que preparar melhor sua gestão, qualificar sua equipe, construir pol?ticas consistentes e formular um pensamento estratégico para o Pa?s.
Ele não terá outra chance. *Luiz Otavio Cavalcanti, 60, advogado, executivo e ex-secretário do Planejamento (1975/79 e 1991/92) e da Fazenda (1983/86 e 1992/93) de Pernambuco.
Recifense, Cavalcanti dirige hoje a entidade mantenedora da Faculdade Santa Maria. É autor, entre outros livros, de Como a corrupção abalou o governo Lula (Ed.
Ediouro, 2005), Administradores, quem somos nós? (Ed.
Bagaço, 2005) e Ensaiando Pernambuco (Ed.
Bagaço, 2005).