Por André PetryNa Veja desta semana Na terra do carimbo, do formalismo legal, da chicana jur?dica, não se poderia esperar uma coisa diferente: a aceitação da ortotanásia, procedimento que consiste na suspensão de tratamentos médicos capazes de prolongar a vida de um doente incurável, já está sob ameaça - dos formalistas, é claro.

Nesta semana, o procurador Wellington de Oliveira, de Bras?lia, vai despachar uma "recomendação" ao Conselho Federal de Medicina para que revogue a resolução que adotou recentemente na qual aprova a realização da ortotanásia em pacientes terminais. "Acho que vou dar prazo de cinco dias", diz o procurador.

Se o CFM revogar a decisão, assunto encerrado.

Se não, o procurador vai recorrer à Justiça. "A resolução viola a legislação brasileira", resume ele.

Diferentemente da eutanásia, que é a prática de provocar a morte do paciente terminal, a ortotanásia apenas suspende tratamentos e, com isso, deixa a vida (e a doença) correr seu curso livremente. É uma forma de evitar que v?timas de doenças incuráveis, em estado irrevers?vel, sejam submetidas a tratamentos dolorosos e inúteis, dando-lhes o direito de não prolongar sua agonia.

A resolução do CFM é profundamente generosa.

Só uma interpretação exorbitante e maliciosa pode considerá-la uma defesa da morte, um tributo ao homic?dio, um convite à omissão assassina.

A resolução diz apenas que os médicos consideram eticamente admiss?vel dar aos seus pacientes terminais, incuráveis, o direito de humanizar um pouco a própria morte e de evitar dores excruciantes, inúteis.

A legislação brasileira não prevê a ortotanásia.

Portanto, um médico que a faça, mesmo que devidamente autorizado pelo paciente ou por seus familiares, está sujeito a sofrer sanções da lei.

E é a? que entram os formalistas, como o procurador de Bras?lia e seu prazo de "cinco dias".

O Código Penal brasileiro não prevê a ortotanásia porque é uma peça de museu, em vigor desde os anos 40 do século passado.

De lá para cá, houve um tremendo avanço da tecnologia e do conhecimento médico.

A vida mudou.

A morte mudou.

As pessoas passaram a ter uma oportunidade antes inexistente: a de escolher até que ponto vale ou não a pena ser mantidas vivas.

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