Cientista pol?tico e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), colaborador freqüente do Blog, Túlio Velho Barreto, 48, avalia com desconfiança os resultados das eleições para o Congresso Nacional. É preciso um pouco mais tempo, diz Barreto, para que se analise com segurança as conseqüências de regras novas, como a cláusula de barreira, que reduzirá o poder dos partidos pequenos já na próxima legislatura.
O pesquisador, no entanto, é cético.
Nesta entrevista a Renato Lima, repórter de Economia do Jornal do Commercio, admite não acreditar que o próximo Congresso consiga fazer a reforma pol?tica e mude consideravelmente seu comportamento na relação com o Executivo.
Jornal do Commercio - Do resultado das urnas para o parlamento, é poss?vel dizer que o eleitor passou algum recado?Túlio Velho Barreto - Não entendo que tenha havido um recado claro, nem sequer um único recado.
O eleitorado não é homogêneo, portanto, não podemos tratá-lo como um ator pol?tico.
Por exemplo, qual o recado do eleitorado pernambucano ao não reconduzir o ex-presidente da Câmara Federal Severino Cavalcanti, deixando-o, se não me engano, na primeira suplência da coligação da qual o PP fez parte?
Que deseja ver longe da Câmara Federal qualquer envolvido com escândalos?
Então, qual o recado que o eleitorado de São Paulo deu ao reeleger o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha envolvido no chamado escândalo do mensalão?
Que o absolveu?
E mais: qual o recado que o eleitorado paulista deu elegendo o ex-deputado federal Paulo Maluf, e com uma grande votação?
E ao eleger Clodovil, igualmente com enorme votação?
Como se vê, é preciso deixar de ser manique?sta e entender que os resultados eleitorais – a realidade, enfim – são mais complexos do que aparentam, ou desejam muitos de nós.
Portanto, para o bem e para o mal, há muitos recados no ar. É necessário aprofundar as análises e fugir do lugar e do senso-comum.
JC - O fenômeno Clodovil é o mesmo que produziu o fenômeno Enéas há 4 anos?TVB- São fenômenos bastante semelhantes, mas com algumas diferenças.
Na verdade, em todas as eleições há candidatos que se transformam em fenômenos eleitorais, de voto, sem que representem, de fato, um segmento social, econômico ou de classe, enfim, da chamada sociedade civil organizada.
Tal fenômeno é recorrente na história pol?tica do pa?s.
E, algumas vezes, resulta da enorme insatisfação do eleitorado com pol?ticos profissionais, na forma mesmo de protesto.
Outras vezes, é produto da força da comunicação de massa, de carisma ou da empatia que determinados candidatos têm com parcela significativa do eleitorado.
E, parece-me, o eleitorado do estado de São Paulo, que é formado por brasileiros nascidos em todo o pa?s, é pródigo em propiciar tal fenômeno, basta observar a lista dos mais votados neste ano.
Mas, é preciso ressaltar, Enéas chegou à estrondosa votação em 2002 depois de concorrer, mais de uma vez, a cargos majoritários, inclusive à presidência da República, não era um neófito em pol?tica.
No caso de Clodovil, não.
Ele é o que poder?amos chamar de outside da pol?tica, é alguém que vem de fora do meio pol?tico, não é um profissional da pol?tica.
E é também homossexual assumido, o que pode ter atra?do os votos deste segmento.
Lembro ainda o que ocorreu, por exemplo, recentemente, em um programa de TV, quando um candidato a ganhar um milhão de reais venceu a disputa após assumir-se homossexual, e terminou por virar um s?mbolo entre homossexuais, outro segmento numeroso.
Além disso, Clodovil é alguém da m?dia, apresentador de TV, que, hoje, representa uma das principais fontes – podemos identificar assim – de onde saem vários candidatos neófitos bem sucedidos em disputas eleitorais.
E sempre teve programas voltados à dona-de-casa de classe média, que é um segmento amplo e mais suscet?vel aos apelos televisivos.
JC - O congresso que foi eleito pode se tornar mais dif?cil de governabilidade do que o que deixa o poder?TVB - É dif?cil de responder categoricamente sua pergunta.
A resposta depende de uma série de fatores que ainda desconhecemos.
Por exemplo, não sabemos ainda quem será o próximo presidente; não sabemos ainda qual a influência da cláusula de barreira sobre os pol?ticos e os partidos; não sabemos ainda qual será o comportamento das oposições ao próximo governo…
Entretanto, posso dizer que, os problemas que normalmente associamos à governabilidade – que, para mim, confesso, é um conceito um tanto quanto vago – estão mais associados aos arranjos institucionais adotados no Brasil a partir do final do regime militar, que, em alguma medida, ainda tem muito dele, inclusive.
E a herança cultural que herdamos de tanto anos de autoritarismo.
Explico melhor.
Todo governo que assume deseja ter uma maioria absoluta e permanente durante seus anos no poder. É mais fácil assim.
E é mais dif?cil ter que negociar permanentemente com as minorias ou as oposições.
Ao pa?s, faltam ainda uma história e uma tradição democrática.
Por outro lado, não posso deixar de reconhecer que há mesmo uma elevada fragmentação partidária no Congresso Nacional, que dificulta a relação entre os poderes Executivo e Legislativo. É o caso de pensar novamente em pressionar o Congresso a enfrentar o debate em torno de uma reforma pol?tica, ainda que o problema não seja apenas institucional, mas também de cultura pol?tica, de comportamento dos atores pol?ticos.
JC - A diminuição no número de deputados petistas foi menor do que esperada?TVB - Sim, mas é necessário ponderar a resposta.
De fato, por um lado, o número de deputados petistas eleitos para a Câmara Federal surpreendeu na medida em que o partido praticamente manteve a bancada eleita há quatro anos, mesmo tendo passado por uma grave crise no âmbito da Câmara Federal e internamente ao próprio partido.
Lembro que o chamado escândalo do mensalão, mas não só este, envolveu diversos deputados petistas, além de ter tirado de cena dirigentes históricos do partido, como José Dirceu e José Geno?no, para citar apenas os mais conhecidos e importantes.
Mas, por outro lado, se observarmos as últimas eleições para a Câmara Federal podemos constatar que o partido vinha em uma curva ascendente, sempre elegendo mais deputados, crescendo lenta mas continuadamente.
Então, embora tenha praticamente mantido sua bancada, podemos afirmar que a crise que envolveu o partido nos últimos dois anos freou aquela curva.
E isso ocorreu apesar da vitória do presidente-candidato Lula no primeiro turno, com quase metade dos votos válidos na disputa presidencial, que é o momento que importa para analisar o desempenho dos partidos nacionalmente.
Finalmente, a crise foi muito ampla e envolveu muitos partidos – na verdade, quase todos eles – tirando, portanto, do eleitor a possibilidade de fazer outras opções.
JC - Como a cláusula de barreira pode afetar o desempenho do parlamento nos próximos anos?
Foi uma inovação interessante?TVB- Penso que são positivas algumas das propostas e iniciativas recentes para mudar as legislações eleitoral e partidária.
O problema é que tomadas separadamente elas não surtem os efeitos esperados. É o caso da verticalização e da cláusula de barreira, por exemplo.
Além disso, há as diversas interpretações adotadas, que, na maior parte, nada mais são do que a transposição para a pol?tica do notório "jeitinho" brasileiro.
Podia perguntar de quê adiantará o estabelecimento da cláusula de barreira sem a obrigatoriedade da fidelidade partidária?
E desta, sem a proibição do pernicioso troca-troca partidário?
Assim sendo, hoje, tendo a seguir as análises dos cientistas pol?ticos Wanderley Guilherme dos Santos e Fabiano dos Santos, embora percorra alguns caminhos diferentes, quando afirmam que a cláusula de barreira servirá, sobretudo, para restringir a representação partidária e a criar deputados e senadores de segunda categoria, verdadeiros zumbis.
Portanto, é preciso avançar mais e de forma mais sistemática.
Como?
Não há fórmula mágica. É preciso começar, na sociedade, um debate amplo e sério a respeito, e não esperar pelos objetos das mudanças: os pol?ticos e os partidos.
JC - A sa?da de uma figura como Delfim Neto do parlamento pode ser encarado como uma dificuldade de se manter no poder pelo voto de opinião?
O congresso sai perdendo com a mudança?
TVB - De fato, a derrota eleitoral de pol?ticos como o ex-ministro Delfim Neto pode vir a representar uma mudança no sentido em que você aponta.
Ou seja, pol?ticos que dependem do chamado voto de opinião, e não representam necessariamente um segmento organizado da sociedade, tendem a ter mais dificuldades para se eleger.
Não sei se é exatamente o caso do deputado Delfim Neto.
Até porque, é preciso lembrar, trata-se de um pol?tico conservador, inicialmente ligado ao regime militar, por exemplo, que nos últimos flertou com os petistas, sobretudo com o presidente Lula e seus colaboradores na área econômica.
Quando isso ocorre – uma mudança no perfil ou nas opções de determinado pol?tico – pode haver dificuldades para que seu fiel eleitor o acompanhe, sobretudo se é um eleitor de opinião, que valoriza muito a história e a coerência pol?tica de seu representante.
Mas, no caso em tela, minhas considerações são hipóteses, sem base emp?rica.
O que podemos dizer, de fato, é que os pol?ticos que dependem do voto de opinião apenas estão perdendo espaço para aqueles que representam setores organizados, mas, sobretudo, para aqueles que se beneficiam da atividade profissional que desempenham, como no caso dos comunicadores de massa, e membros de igrejas evangélicas, por exemplo.Em parte isso, tal mudança tende a ser negativa para o Congresso Nacional.
Mas, também nestes casos, é preciso aguardar um pouco, até porque já faz tempo que o Congresso Nacional não tem sido bom exemplo de conduta pol?tica.
JC - Esse congresso que entra será mais reformista do que o que deixou?
Que tipo de reformas tem mais chances de ser aprovada?TVB - É cedo para avaliar.
Mas não acredito que a próxima Legislatura se diferencie muito das imediatamente anteriores.
A "renovação" – assim mesmo entre aspas – ficou em patamar histórico, não chegou a ultrapassar marcas recentes.
Inclusive, pessoalmente, prefiro usar o termo "mudança" que "renovação" na medida em que nem sempre mudar significa renovar.
E, como sabemos, nem toda mudança ocorre para melhor.
Portanto, é preciso esperar.
De toda forma, não vejo sinais de que a atual Legislatura será melhor.
Quanto às reformas, creio que as propostas e os debates ficarão restritos aos temas de sempre.
Isto é, novamente, a reforma da previdência, a tributária, a trabalhista e sindical e, finalmente, a pol?tica.
Como se vê, para mim, a agenda não muda.
Mas, devemos lembrar, não sabemos ainda quem será o próximo presidente da República, o que muda muito a análise sobre o que ocorrerá no Congresso Nacional.
Como o presidente-candidato Lula continua favorito para vencer, agora no segundo turno, e diante das enormes dificuldades de diálogo entre a oposição e o atual governo, fica cada vez mais evidente que os próximos quatro anos tenderão a ser muito parecidos aos dois últimos do primeiro governo Lula.
Ou seja, muita CPI, muita Medida Provisória e parca produção parlamentar.
JC- Há esperança na aprovação de uma reforma pol?tica?TVB - Acho dif?cil.
Neste caso, vale igualmente o que afirmei na resposta anterior.
Não vejo sinais de que uma reforma pol?tica, qualquer que seja ela, ampla ou restrita – esta mais fácil do que a outra – esteja mais próxima de ocorrer agora do que esteve nas legislaturas anteriores, inclusive a atual, nem mesmo os escândalos e as crises envolvendo diversos pol?ticos e partidos, e o Poder Legislativo, me fazem pensar diferente.
Muitos afirmam, e com razão, que a reforma pol?tica é a mais dif?cil de ocorrer entre todas as reformas.
Agora, é preciso dizer que isso ocorre porque os pol?ticos tendem a não legislar contra seus próprios interesses.
Em pol?tica, o altru?smo é a exceção que, se existe, apenas confirma a regra.
Assim, prevalece o ego?smo, resultado da racionalidade pol?tica que os movem.
Isso não significa dizer que sempre existirão iniciativas isoladas no sentido de aperfeiçoar ou mudar as legislações eleitoral e partidária.