Por Inácio França*Jornalista e consultor do UNICEF Mais sutil e inteligente do que a panfletária revista Veja, o noticiário da Rede de Globo de Televisão, porém, já entrou com os pés na campanha de Geraldo Alckmin.
A fórmula global evita o proselitismo grosseiro e a defesa exacerbada, afinal é preciso manter a aparência de isenção e imparcialidade para assegurar a credibilidade.
Vamos aos fatos, ou melhor, à forma como os fatos são embalados para consumo.
No Jornal Nacional de ontem, dia 4 de outubro, a pauta observada (esse texto trata de simples observações, sem a pretensão de tecer análises) diz respeito às movimentações dos candidatos ao segundo turno presidencial.
Nesse telejornal, vale destacar o tratamento ameno destinado à tensão provocada na campanha de Alckmin pela reação de César Maia e da candidata a governadora Denise Frossard, após o apoio do casal Garotinho ao tucano.
Na Globo, a tensão se transformou em "polêmica".
De acordo com os textos publicados durante o dia nos sites de not?cias, Frossard havia dito com todas as letras "O Alckmin não gosta do Rio.
Definitivamente, ele não gosta do Rio.
Constatei isso ontem [terça].
Retiro meu apoio a ele e ele não está autorizado a usar minha imagem.
Eu vou anular o voto".
No Jornal Nacional, a fala foi editada e preservado apenas o trecho no qual ela desautorizou o uso da sua imagem. É óbvio que o primeiro trecho da fala da candidata a governadora, que estruturou sua campanha no primeiro turno casada com a do tucano, seria not?cia caso os critérios jornal?sticos norteassem o noticiário da Rede Globo.
Merece elogios, porém, a informação de que o governador de Rondônia, Ivo Cassol, será um dos novos coordenadores de campanha de Alckmin.
O texto do repórter não omitiu fato de que Cassol está sendo processado na Justiça por fraude em licitações e superfaturamento de obras.
Ou seja, Cassol responde a processos por corrupção.
Uma contradição clara, digna de matéria, da campanha do "limpo, probo e ético", PSDB.O dia 05 de outubro começou com o Bom Dia Brasil menos sutil, completamente engajado.
Na matéria - ou seqüência de matérias destinada a enfocar as alianças para o segundo turno - Ivo Cassol é tratado apenas como o governador reeleito de Rondônia e um dos novos coordenadores de campanha de Alckmin.
Os editores do Bom Dia omitiram, de forma claramente desonesta, a informação de inquestionável valor jornal?stico de que um corrupto em potencial iria se engajar na campanha de Alckmin.
Se Cassol tivesse declarado apoio a Lula, como seria a abordagem da turma de Renato Machado?Tratemos agora da queda do avião da Gol.
O que isso tem a ver com pol?tica?
A julgar pelos textos produzidos a redação do Bom Dia, tem tudo a ver, como já diz a surrada vinheta da Globo.A "lentidão" da investigação das causas do acidente teve ênfase, com direitos a várias repetições.
O apresentador Renato Machado chegou a afirmar que "em geral investigaões demoram, mas essa está realmente muito lenta". (não foi essa a frase exata, pois não estou com a gravação em mãos.
Escrevo logo depois do encerramento do programa).
A frase do jornalista americano do New York Times, a respeito do "péssimo controle aéreo" na Amazônia foi destacada.
Nenhum âncora questionou se o autor da frase tera conhecimentos técnicos ou informações para avaliar algo do gênero?
O americano era apenas um passageiro, de carona no avião.Com a frase do americano em mãos, Renato Machado e sua parceira Renata Vasconcellos tentaram arrancar do coronel Moreira de Lima, comandante da operação de resgate dos corpos, uma frase bombástica sobre o controle aéreo.
Questionado a primeira vez, o militar respondeu com clareza: "minha especialidade é o resgate e salvamento em mata".
Renata Vasconcellos insistiuna pergunta de Machado, com um questionamento bobo, patético, forçando a barra: "vocês estão encontrando algum problema com o controle de tráfego aéreo nessa operação de resgate".
Pasmo, o coronel repetiu a resposta anterior.O controle de tráfego aéreo e a investigação das causas do acidente cabem a órgãos do Governo Federal.
Coincidência ou teoria da conspiração.
Me deu a impressão que, para a dupla de apresentadores do Bom Dia, a culpa foi de Lula.No final, Alexandre Garcia entrou direto de Bras?lia e, involuntariamente, desmoralizou a matéria apresentada anteriormente: ele disse que, desde o dia do acidente, já tinha informações que a investigação seria demorada e apresentou uma teoria, elaborada por especialistas em aeronáutica, a respeito da responsabilidade dos pilotos do jatinho Legacy.
Sem poder se apegar a outros problemas, antes ele ironizou a Agência Nacional de Aviação Civil, que seria inexperiente, e afirmou que a nota emitida pelo Palácio do Planalto lamentando as mortes no acidente foi equivocada, pois falou de mortes antes da confirmação da dimensão da tragédia.Com essas observações a respeito do discurso dos teeljornais, espero contribuir para que o noticiário televisivo possa ser interpretado, indo além do simples registro das informações veiculadas. *Inácio França é jornalista formado pela Universidade Católica de Pernambuco, em dezembro de 1990.
Repórter de Pol?cia do Diário Popular (SP), atual Diário de São Paulo.
Repórter de O Globo, sucursal de São Paulo.
Repórter de O Globo, sucursal de Recife.
Repórter-especial do Diário de Pernambuco.
Secretário de Comunicação de Olinda, durante a primeira gestão de Luciana Santos (PCdoB).
Atualmente, Consultor de Comunicação do UNICEF para os estados de Alagoas, Para?ba e Pernambuco.
Como repórter, conquistou o Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo e Dieitos Humanos, Prêmio Cristina Tavares de Jornalismo.