Por Luiz Otavio Cavalcanti*Ex-secretário do Planejamento e da Fazenda de Pernambucolotavio@fsm.com.br Quatro fatos acentuam a atual crise pol?tica e ética no Pa?s.

O primeiro fato, no âmbito das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo, foi o “mensalão???, com pagamento de propina a deputados federais em troca de voto em projetos de interesse do governo.

O segundo fato, no Ministério da Saúde, indicou a existência de “quadrilha dos vampiros???, com rede de corrupção e participação de funcionários públicos na aquisição pelo governo de produtos e serviços superfaturados.

O terceiro fato, também no Ministério da Saúde, conhecido como “episódio dos sanguessugas???, envolveu a venda superfaturada de ambulâncias a prefeituras municipais, intermediada por emendas parlamentares, com recursos públicos federais.

O quarto fato, no âmbito da campanha eleitoral, abrange a compra e divulgação, por auxiliares do presidente Lula, de dossiê contra os candidatos do PSDB, Geraldo Alckmin e José Serra.

Esses acontecimentos ocorrem num quadro em que o Estado, no Brasil, assume configuração diversa daquela que apresentava há sessenta anos.

Com efeito, a evolução do papel do Estado refletiu a ocorrência, primeiro, da crise do café que afetou a economia paulista nos anos 20 e contribuiu para o fim da chamada República Velha.

Na ditadura Vargas (1930/1945), é criado o DASP, órgão destinado a modernizar a administração federal.

Depois ocorreu o esgotamento da pol?tica de substituição de importações, nos anos 50, agravando a crise do populismo de que resultou o golpe de 1964.

No governo militar de Castelo Branco (1964/67), foi editado o decreto-lei 200/1967, que buscou dar mais eficiência às entidades da administração indireta.

Adiante, aconteceu o enfraquecimento das funções do Estado, nos anos 80, sendo a Constituição de 1988 o marco desse processo que se desdobra até hoje.

Nos anos 90, a agenda pol?tica brasileira caracterizou-se por iniciativas voltadas a modificar as relações entre setor público e setor privado, acentuando as reformas orientadas para o mercado.

Certamente a diminuição da presença do Estado na economia, nos últimos anos, reduzindo as interfaces de agentes públicos com o mercado, terá contribu?do para inibir a corrupção no território do governo.

Ainda assim, o Estado brasileiro não ficou isento de eventos de corrupção ao longo dos últimos anos.

E foi tomado recentemente por quatro ondas sucessivas de corrupção.

Essas abrangeram os Poderes Executivo e Legislativo.

Envolveram o funcionamento do governo.

E agora desvirtuam a operação da campanha eleitoral.

O atual cenário de crise ética e pol?tica não é banal e impõe a necessidade de reformar o Estado. É urgente acentuar os n?veis de governança, entendida esta como conjunto de técnicas voltadas às formas qualitativas de utilizar o poder e conduzir o governo.

Reformar instituições legais não é fácil.

Durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a Reforma Tributária foi descontinuada, a Reforma da Previdência foi concretizada apenas parcialmente e a Reforma Administrativa, embora aprovada quase totalmente, não alcançou êxito em sua implementação.

Na verdade, discussões sobre as reformas vêm dando suporte ao esforço de completá-las, considerando simultaneamente aspectos conjunturais e estruturais do processo pol?tico.

Trata-se de incorporar a visão moderna, neoinstitucionalista, que vê a qualidade do serviço prestado aos cidadãos-clientes e cobra resultados dos gestores.

No governo Fernando Henrique, a proposta de Reforma Administrativa, coordenada pelo ministro Bresser Pereira, pautou-se por algumas linhas principais: buscou fortalecer a noção de núcleo estratégico da administração; abandonou as pol?ticas de redução compulsória de contingentes funcionais, dando lugar a programas de adesão voluntária; e enfatizou a gestão por resultados.

Essa orientação reformadora alinhou-se conceitualmente ao Novo Gerenciamento Público (New Public Management).

Mas, os recentes episódios de desvio de dinheiro público, mostram ser indispensável aprofundar pontos da Reforma do Estado incorporando a perspectiva de combate à corrupção.

Na verdade, trata-se de ampliar o crivo interno na administração federal, por meio de auditorias sistemáticas em órgãos públicos.

E de modificar a legislação processual civil e penal, relacionada com o uso de recursos públicos, visando ampliar o combate à corrupção e diminuir a impunidade.

O objetivo geral de uma reforma desse tipo é identificar pol?ticas qualificadas de governança para se obter mais controle social sobre a administração pública, mais transparência sobre negócios públicos e instrumentos mais eficazes de combate à corrupção.

Com efeito, é preciso atualizar o conteúdo do Plano Diretor para a Reforma do Estado, de 1995, para garantir a compatibilidade de normas de boa governança com os episódios de corrupção observados recentemente. É oportuno enfatizar princ?pios éticos e pol?ticas de boa governança que estipulem a atuação de administradores públicos e alinhem seu desempenho às normas do Novo Gerenciamento Público (New Public Management). É importante igualmente destacar medidas relacionadas com o controle interno de ações na Administração Federal, por meio de auditagens prévias nas contas dos administradores.

No dom?nio externo à gestão pública, é necessário tornar mais severas e r?gidas as regras da legislação processual civil e penal, visando reduzir a impunidade.

Cap?tulo especial deve ser dedicado à questão da elaboração, aprovação e liberação de verbas do Orçamento Geral da União - OGU, eliminando-se as emendas individuais de parlamentares.

O cerne da corrupção encontra-se tanto em práticas clientelistas e patrimonialistas, quanto na impunidade.

A experiência internacional mostra que clientelismo tende a diminuir em ambientes onde prevalecem prosperidade econômica, instituições democráticas e controle da sociedade sobre funcionamento do governo.

Com efeito, o ?ndice de percepção da corrupção - IPC, constru?do pela Transparência Global, coloca Finlândia, Dinamarca, Nova Zelândia, Suécia e Canadá como pa?ses de menor IPC.

E situa Nigéria, Iugoslávia, Ucrânia, Azerbaijão e Indonésia como pa?ses de maior IPC.

O Brasil está no 59. lugar, pior que a Argentina e melhor que a Venezuela.

Os pa?ses com menor IPC são os que apresentam maior ??ndice de Desenvolvimento Humano - IDH.

Reformar o Estado brasileiro, para defender a sociedade de atos de corrupção, contribui para alcançar três objetivos principais: no mercado, ajuda a consolidar ambiente saudável para realização de negócios e de investimentos; na área pol?tica, fortalece o sistema democrático e estimula a confiança do Povo nas instituições sociais, favorecendo a governabilidade; e na operação governamental, ajuda a garantir o atingimento de metas de superávit fiscal, mediante enfrentamento da corrupção e bloqueio de pontos de evasão de recursos públicos. *Luiz Otavio Cavalcanti, 60, advogado, executivo e ex-secretário do Planejamento (1975/79 e 1991/92) e da Fazenda (1983/86 e 1992/93) de Pernambuco.

Recifense, Cavalcanti dirige hoje a entidade mantenedora da Faculdade Santa Maria. É autor, entre outros livros, de Como a corrupção abalou o governo Lula (Ed.

Ediouro, 2005), Administradores, quem somos nós? (Ed.

Bagaço, 2005) e Ensaiando Pernambuco (Ed.

Bagaço, 2005).