Por Túlio Velho Barreto*Cientista Pol?tico e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabucotúlio@fundaj.gov.br Estamos a apenas dez dias da eleição.
A partir das pesquisas de intenção de votos nas últimas semanas, podemos observar algumas fortes tendências em relação às disputas nacional e local.
As principais podem ser resumidas assim: (1) apesar da atual grave crise, que envolve principalmente o PT nacional, o presidente-candidato Lula deve vencer a corrida presidencial ainda no primeiro; (2) a disputa para ocupar o Palácio do Campo das Princesas deverá ir mesmo para um segundo turno, sem que esteja ainda claro se ficará entre Mendonça Filho (PFL, União por Pernambuco) e Humberto Costa (PT, Melhor para Pernambuco) ou Eduardo Campos (PSB, Frente Popular de Pernambuco); (3) a corrida pela única vaga em disputa para o Senado tem o maior favorito desta eleição, o ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB, União por Pernambuco); (4) conforme tem demonstrado as poucas pesquisas realizadas a respeito das disputas proporcionais, até o momento o eleitorado pernambucano não parece estar dando a devida importância à escolha de seus representantes na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal, o que poderá resultar, neste caso, em número recorde de votos nulos e brancos, e talvez algumas surpresas. (5) e, definitivamente, a militância ideológica, marca dos partidos considerados de centro-esquerda ou esquerda, como PT, PCdoB e PSB, por exemplo, foi substitu?da abertamente pela militância remunerada, t?pica dos partidos considerados de centro-direita ou direita, como PMDB, PSDB e PFL, para citar apenas os três mais representativos destes segmentos.
A última dessas tendências – que, talvez, já conforme mesmo uma realidade – deveria ser tema de uma tese de pós-graduação.
De toda forma, aqui, vou fazer alguns breves comentários a respeito, ainda que não possa aprofundá-los.
De fato, o tema tem chamado minha atenção já há algum tempo, há várias eleições.
Embora reconheça que a motivação para escrever sobre o tema tenha surgido de uma conversa recente com um colega da Fundação Joaquim Nabuco, posso, aqui, citar, por exemplo, uma entrevista concedida ao Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado, publicada há exatamente um ano, em sua edição de setembro de 2005.
Naquela ocasião, dentre outras, respondi a três perguntas sobre o que esperar da militância petista após da chamada "crise do mensalão" e nas próximas eleições, inclusive a de 2006.
Reproduzo três pequenos trechos daquela entrevista:A crise pol?tica aberta com o "caso do mensalão" e seu impacto sobre na militância nas eleições de 2006Sim, [a crise do mensalão afetará a militância petista], e por uma razão muito simples: o PT surgiu como expressão pol?tica de parcela significativa dos movimentos sociais que nasceram ou se reorganizaram a partir da segunda metade dos anos 70 na luta contra a ditadura militar.
Naquele momento, houve uma convergência de interesses e de projetos, que envolveu a Igreja Católica, novas lideranças sindicais e populares, intelectuais e pequenas organizações de esquerdas refratárias à tradição comunista, em especial ao PCB e PCdoB.
Da? surgiu a idéia de criar um partido de esquerda baseado no ativismo pol?tico de atores sociais.
Mas muito dessa militância foi ficando para trás, foi expulsa ou abandonou o PT na medida em que o partido foi se afastando de suas teses originais, inclusive da ética.
Se a mudança no comportamento da militância ocorreu a partir da crise do mensalão…
Não, esse não é um fenômeno de hoje.
Lembro que algumas experiências municipais e estaduais do PT são bastante questionáveis.
Além disso, nos últimos anos, o PT foi se transformando em um partido de eleitores e não mais de militantes.
Agora, face à dimensão dessa crise, o que resta daquela militância se sente cada vez mais abandonada, tra?da e impotente para reagir.
E dificilmente voltará às ruas nas próximas eleições.
Além disso, muitos movimentos sociais já se afastaram da CUT e do PT, como os docentes das universidades federais e os previdenciários, que têm feito greves contra o próprio governo Lula, e muitos outros tenderão a seguir o mesmo caminho, talvez até o próprio MST.
Tudo isso afasta a militância, em especial a que construiu na luta a legenda e seus sonhos.
Se haveria possibilidade do PT reconquistar sua militância histórica, em especial a formadora de opinião e a que vai às ruas a cada nova eleição Não acredito. […] Penso que nas próximas eleições, sobretudo em 2006, a militância a que você se refere não estará disposta a defender e a apoiar um partido com o qual já não se identifica, que sequer existe mais.
Assim como os partidos comunistas sumiram após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, o PT perdeu o sentido de ser.
Chegou ao poder e perdeu uma oportunidade histórica.
E como os responsáveis por essa situação não querem largar o partido nem são expulsos, o prolongamento da crise contaminará todo o PT.
O partido está ferido de morte.
E está próximo a entrar em estado de vida vegetativa, assim como o PTB pós-ditadura militar.
Todos sabemos que irá morrer, apenas não sabemos quando.
De tudo isso, restará sua importante história.
No que diz respeito às conseqüências da "crise do mensalão" sobre o comportamento da militância petista, continuo pensando o mesmo.
Na verdade, é preciso ressaltar que desde a segunda metade dos anos 1990, isto é, há dez anos, pelo menos, o PT passou a profissionalizar sua estrutura partidária, o que implicou também na profissionalização de sua militância, sobretudo em per?odos eleitorais.
Como disse na entrevista, data daqueles anos o in?cio da transformação do PT de partido de militantes para um partido de eleitores.
Aliás, tal fenômeno o aproximou ainda mais de partidos tradicionais, como o PMDB e PFL, por exemplo.
Posteriormente, com as sucessivas crises ocorridas já no governo Lula, que tem causado tanto desencanto a militantes e eleitores históricos do partido, o PT assumiu claramente a opção em contar com os militantes remunerados, como os que encontramos hoje nas ruas, nas atividades do dia-a-dia da campanha.
Até porque o PT passou a ser comandado pela lógica eleitoral, e não mais ideológica.
E seus l?deres pol?ticos passaram a ser parlamentares ou gestores públicos nos executivos.
Particularmente, em Pernambuco, já são duas gerações de militantes que, de certa forma, se desencantaram com a pol?tica ou com os partidos e l?deres tidos como de centro-esquerda ou esquerda.
De fato, nas décadas de 1980 e 1990, mas sobretudo na primeira, uma geração formada por militantes que combateram o regime militar (1964-85) e lutaram pela redemocratização do pa?s se desencantou com o segundo governo Arraes (1987-91), e com o próprio governador, em função das alianças pol?ticas então firmadas e pelas opções adotadas durante o seu governo, que privilegiou medidas assistenciais em detrimento a pol?ticas sociais e econômicas mais efetivas e a médio e longo prazos.
Anos mais tarde, parte dessa militância migrou para o PT, que já possu?a uma forte militância, e outra, simplesmente virou apenas eleitor.
Algo parecido acontece com a militância histórica petista, aquela que se movia – ou se move – mais por questões ideologia, e não por uma contrapartida material, hoje tão comum e vis?vel.
Quando se observa onde estão em potencial os votos petistas, particularmente os do presidente-candidato Lula, constata-se claramente um deslocamento do eleitorado mais politizado para o eleitorado mais assistido pelos programas do governo federal.
Ou seja, exatamente das chamadas classes D e E, que vivem nas periferias das cidades de grande porte, nas regiões metropolitanas e nos grotões de pobreza no interior do pa?s.
A militância petista histórica, aquela movida por ideologia, certamente, está desencantada, apesar de não admitir votar na oposição ao governo Lula formada pelo PSDB e PFL.
Assim, possivelmente, votará no presidente-candidato Lula.
Ou votará em partidos que identifica mais à esquerda do que o próprio PT.
Mas, em ambos os casos, manterá silêncio e apenas observará a boca-de-urna profissional atuando no dia 1º de outubro.
Ou, quem sabe, votará mesmo em branco ou nulo.
De toda forma, enquanto parte dela não terá mais disposição para novas lutas e batalhas, outra, estará sempre pronta a assumi-las novamente, com novo fôlego, ainda que não mais sob a legenda petista. *Cientista pol?tico e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Túlio Velho Barreto, 48, é um dos autores dos livros "Democracia e Instituições Pol?ticas Brasileiras no final do Século XX" (MCP-UFPE/Bagaço, 1998) e "Nordeste 2004 - O Voto das Capitais" (Fundação Konrad Adenauer, 2005).
Co-organizou e participou dos livros "Na Trilha do Golpe - 1964 revisitado" (Editora Massangana, 2004) e "A Nova República - Visões da redemocratização" (Cepe/JC, 2006), que resultaram de séries especiais publicadas pelo Jornal do Commercio em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco.