Por Túlio Velho Barreto*Cientista pol?tico e pesquisador da Fundação Joaquim Nabucotúlio@fundaj.gov.br No dia 17 de janeiro de 2003, ou seja, pouco mais de duas semanas após a posse do presidente Lula, escrevi um artigo, publicado no Diario de Pernambuco, intitulado “O Governo Lula e as reformas???, baseado no programa de governo da aliança PT-PL (Lula-José Alencar) e do documento gerado pela equipe de transição.

Como o presidente Lula é candidato à reeleição, e como estamos praticamente a apenas duas semanas do pleito, resolvi reler o artigo para comparar o que foi prometido com o que foi executado.

E a partir dele escrever um artigo para este Blog.

Fiquei espantado com o resultado.

De fato, foi uma experiência e tanto observar o distanciamento entre o que se promete, mesmo em uma eleição presidencial, que exige a atenção de todo o eleitorado do pa?s, e não apenas de uma parte, e o que se executa.

E mais: é impressionante constatar que, no atacado e no varejo, isso não tem feito muita diferença para o eleitorado, que, no caso do presidente-candidato Lula, não só manteve o apoio como o ampliou.

E, assim, o presidente-candidato Lula pode alcançar no primeiro turno desta eleição o ?ndice só alcançado no segundo turno de 2002, quando só havia dois candidatos em disputa.

Então, passo a reproduzir partes do referido artigo e, ainda que brevemente, a fazer alguns comentários sobre cada uma das reformas propostas e os resultados alcançados.

Diante do escopo deste artigo, só será poss?vel abordar as propostas e realizações macros. “Em seu discurso de posse, [o presidente] Lula anunciou a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, formado por empresários, trabalhadores e lideranças da sociedade civil, para ‘viabilizar as reformas que a sociedade brasileira reclama’ e que ele prometeu.

Ressaltou, então, a necessidade de fazer as reformas tributária, previdenciária, trabalhista e pol?tica, além da agrária, para ‘impulsionar um novo ciclo do desenvolvimento nacional’. “[…] A reforma tributária é uma das duas prioridades do Governo [Lula] porque visa a retomada do crescimento econômico, condição necessária para combater o desemprego e a fome.

Nesse caso, a intenção [do governo] é aprová-la em 2003.

Em linhas gerais, nela está prevista a manutenção da CPMF, o fim da cumulatividade das contribuições (Confins, PIS, CPMF), a criação do Imposto sobre Valor Agregado (simplificando o ICMS e inibindo a guerra fiscal entre os Estados), a desoneração das exportações e do investimento produtivo, a tributação da fortuna, da herança e de artigos supérfluos, a redução da carga tributária sobre os bens de consumo de massa (alimentos, vestuário, material de construção etc.) e a mudança na tabela do Imposto de Renda da Pessoa F?sica (mantida na recente mini-reforma). “A reforma previdenciária é a outra prioridade do Governo, que a considera inevitável para que o atual sistema não entre em colapso.

A expectativa é unificar (nivelando por baixo) os sistemas de previdência dos setores público e privado, estabelecendo, já este ano, pisos e tetos comuns, e criar um órgão democrático para gerenciá-lo.

Além disso, iniciar a discussão acerca da criação de fundos de pensão por categoria profissional, o que aliviaria o Estado e auxiliaria o mercado de capitais. “No caso da reforma trabalhista, o Governo reconhece que levará mais tempo para viabilizá-la, pois precisará de consenso.

Porém, já este ano, pretende instalar o Fórum Nacional do Trabalho, formado por trabalhadores, empresários e o próprio Governo, e iniciar as discussões acerca da redução da jornada de trabalho, da criação de um programa de incentivos à contratação de jovens, da mudança da CLT e da legislação sindical (o imposto, a unicidade, a estrutura sindical etc.). “Em relação à reforma pol?tica, o Governo reserva ao Congresso Nacional a iniciativa de apresentá-la.

Embora a idéia seja viabilizá-la apenas no quarto ano do mandato, as discussões em torno do financiamento de campanha, do sistema de voto, da cláusula de barreira e da fidelidade partidária devem começar logo (mas não há nada sobre a reeleição). “Por último, o presidente citou a reforma agrária.

Nesse caso, já existem os mecanismos legais para realizá-la, não sendo, portanto, necessário envolver o Legislativo.

Assim, sua execução depende da disposição pol?tica do Executivo em tratá-la como algo mais complexo do que apenas distribuir terra e assentar fam?lias.???

Como se vê, não são necessários muitos esforços nem tantos números para constatar que há uma enorme distância entre as reformas propostas pelo candidato Lula e o que seu governo executou.

O governo Lula não conseguiu converter o capital eleitoral e pol?tico, conquistados nas urnas em 2002, em medidas concretas para realizar, nos dois primeiros anos, como prometeu, a reforma tributária e a previdenciária.

Aprovou arremedos de reformas.

A reforma trabalhista também não avançou, apesar do Fórum Nacional do Trabalho ter sido criado e instalado no primeiro ano de governo.

Já a reforma pol?tica naufragou na inesperada eleição do deputado Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara Federal e nos escândalos envolvendo Waldomiro Diniz, então assessor do ministro José Dirceu, o pagamento de propina nos Correios, o “mensalão??? etc.

E, finalmente, faltou disposição pol?tica para implementar verdadeiramente a reforma agrária, e a situação no campo só não foi pior porque os movimentos rurais têm sido bastante tolerante com o governo Lula, já que eles pelo menos não têm sido “satanizado??? como ocorreu durante os anos FHC.

Então, o artigo conclu?a com o seguinte parágrafo: “Para realizar tais reformas, [o presidente] Lula montou um ministério bastante heterogêneo.

A equipe econômica tem um perfil próximo da que as [a equipe do governo FHC]i, tanto quanto são comuns muitas das idéias e propostas de uma e outra.

Segundo o [então] ministro Antonio Palocci, isso ocorre porque será preciso fazer a transição entre o modelo econômico atual e o pretendido pelo atual Governo, o que deve levar algum tempo.

Já a equipe da área social, composta basicamente por petistas, terá a responsabilidade de propor e executar as pol?ticas sociais, emergenciais e de longo prazo, capazes de diferenciá-lo do anterior.

Ou seja, cedo ou tarde, o Governo terá que submeter as imposições do mercado às necessidades sociais (e não o contrário).

Para tanto, terá que se mostrar tão suscet?vel às pressões e demandas dos movimentos sociais quanto tem sido com os agentes econômicos, nacionais e estrangeiros.

Se não for assim, será tortuoso livrar-se dos malogrados anos FHC.???

A respeito do que se vaticinou acima, pode-se dizer que a equipe do governo Lula só foi heterogênea até certo ponto, isto é, até o governo entregar o comando dos chamados ministérios sociais, sobretudo o da Saúde e o das Cidades, antes com petistas históricos, para aliados, como PMDB e PP.

Tal fato ocorreu exatamente no in?cio da segunda metade do governo Lula, logo após estourar a crise do “mensalão???.

Portanto, não ocorreu o que se esperava, isto é, o inverso: fazer a área econômica do governo submeter-se às ações e as demandas da área social.

De fato, esta foi a fórmula encontrada pelo presidente Lula no esforço de reconstituir minimamente sua base parlamentar esfacelada em função da crise aberta pelo chamado “caso do mensalão??? .

E o principal programa social do governo Lula, o Fome Zero, após a sa?da do governo dos colaboradores e amigos históricos do presidente José Graziano e Frei Betto, materializou-se no programa Bolsa Fam?lia.

Na verdade, um programa-s?ntese de outros já existentes, alguns criados antes mesmo de 2002, é através do Bolsa Fam?lia que o presidente Lula procura cumprir a promessa de garantir as três refeições aos brasileiros e brasileiras mais pobres.

Por outro lado, o presidente Lula moveu-se energicamente para manter a pol?tica econômica herdada dos anos FHC.

E é esta combinação, além do inegável carisma do presidente-candidato Lula, enfim, que tem feito dele o preferido por mais de 50% do eleitorado brasileiro até agora, e não a relação entre o que prometeu em 2002 e o que terá realizado até o final de seu mandato. *Cientista pol?tico e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Túlio Velho Barreto, 48, é um dos autores dos livros “Democracia e Instituições Pol?ticas Brasileiras no final do Século XX??? (MCP-UFPE/Bagaço, 1998) e “Nordeste 2004 - O Voto das Capitais??? (Fundação Konrad Adenauer, 2005).

Co-organizou e participou dos livros “Na Trilha do Golpe - 1964 revisitado??? (Editora Massangana, 2004) e “A Nova República - Visões da redemocratização??? (Cepe/JC, 2006), que resultaram de séries especiais publicadas pelo Jornal do Commercio em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco.