Por Luiz Otávio Cavalcanti*Ex-secretário do Planejamento e da Fazenda de Pernambucolotavio@fsm.com.br Os presidentes da República, no Brasil, têm sido conciliadores, pragmáticos, flex?veis e otimistas.
Assim foram Getúlio, pragmático; Juscelino, otimista; FHC, amb?guo; e assim é Lula, flex?vel.
Mas, dois deles, escaparam a esse padrão, Jânio e Collor.
Sobre Jânio, falei no artigo da semana passada.
A respeito de Collor, escrevo agora.
Três caracter?sticas culturais de natureza pessoal aproximaram Jânio e Collor: a) Eram introspectivos, e não brasileiramente extrovertidos, reduzindo a aptidão para fazer pol?tica e construir alternativas de ação;b) Eram populistas e não republicanos, desvalorizando mecanismos institucionais que poderiam criar densidade pol?tica em torno do governo;c) Eram céticos e não tropicalmente otimistas, cerceando chances de mobilização social porque trabalharam mais as impossibilidades do que as viabilidades.
Na prática, os dois foram presidentes eleitoralmente poss?veis, mas politicamente inviáveis.
Collor foi produto da era Sarney (eleito vice indiretamente na chapa de Tancredo Neves, que adoeceu na véspera da posse, Sarney exerceu a presidência de 1985 a 1990).
Aquele per?odo foi marcado pelo convencionalismo pol?tico.
Tudo foi convencional no governo Sarney: forma de administrar o Pa?s (inflação de até 80% ao mês), modo de fazer pol?tica, perspectiva de incentivar negócios na economia (sem criatividade).
O eleitor raciocinou: se esse governo convencional não consegue baixar uma inflação de 80% ao mês, a solução é eleger um presidente não convencional.
E, assim, com uma campanha agressiva, marketing moderno, recursos e o temor de Lula, Collor foi eleito em 1989.
Fernando Collor de Melo vinha de fam?lia de tradição pol?tica.
Seu pai, Arnon de Melo, foi senador por Alagoas e um dos principais l?deres pol?ticos do Estado.
Enquanto governador, Collor produziu ações pol?ticas de impacto, como a entrega, no protocolo do Supremo Tribunal Federal - STF, de recurso judicial contra o pagamento de salários exorbitantes aos chamados “marajás???.
Essas medidas visavam provocar contraste com o esp?rito convencional de acomodação pol?tica da era Sarney, acentuando o perfil impetuoso de Collor.
O que o governador candidato queria e conseguiu era criar imagem de decisão, coragem, comando e indignação.
Seu objetivo era associar a idéia de talento para comandar à capacidade de se indignar com distorções que assaltavam os cofres públicos.
Discurso e campanha Sustentando essas ações, Collor montou discurso politicamente agressivo e de conteúdo moralista.
De um lado, atacava duramente o governo Sarney por suposta conivência com irregularidades administrativas.
De outro lado, anunciou espécie de doutrina anti-corrupção com promessas para debelar inflação e modernizar a economia, comparando carros nacionais a carroças.
Sua campanha presidencial foi realizada com base em retórica populista gerando simpatia em dois segmentos do eleitorado, socialmente distantes um do outro.
Numa ponta, seduziu as burguesias industrial, mercantil e agr?cola de Estados mais desenvolvidos do Sudeste, cujo temor da esquerda as afastava de Lula e de Brizola.
Na outra ponta, atraiu os pobres do Pa?s, sensibilizados, na ingenuidade da desinformação, pela demagogia do candidato.
Dessa forma, Collor teceu amplo arco pol?tico consorciando, em torno de sua candidatura, a sociedade afluente de paulistas, cariocas, mineiros, paranaenses e a pobreza das periferias metropolitanas.
Derrotou Lula no segundo turno, superando bloco pol?tico formado por Mario Covas (PSDB) e Brizola (PDT).
Collor chegou á presidência sem suporte parlamentar importante.
Sua candidatura foi lançada por pequeno Partido, sem tradição pol?tica e sem expressão parlamentar, o Partido de Representação Nacional - PRN.
No Congresso, seu governo passou a ser apoiado por espectro de Partidos de centro e de direita, abrangendo PFL, PTB, PL e parte do PMDB.
Mas era apoio parlamentar sem solidez porque nem o Partido do presidente era forte nem ele se esforçava por articular politicamente as iniciativas de seu governo.
Na verdade, Collor nunca mostrou disposição para negociar e compor, para construir engenharia pol?tica capaz de fortalecer sua retaguarda parlamentar.
A falta de organicidade de sua sustentação partidária serviu para tornar ainda mais n?tida a figura real do presidente: prepotente, não relacional, inflex?vel.
Nesse contexto, ele passou a utilizar, cada vez mais intensamente, o populismo.
Buscou identificar-se diretamente com a população sobretudo pela televisão, fosse voando em supersônico, fosse correndo, nos fins de semana brasilienses, em exibição apol?nea.
Essa versão populista demonstrou a pouca importância que ele atribu?a aos valores republicanos, dedicando pequena atenção ao relacionamento entre os Poderes da República e às práticas que simbolizam o funcionamento do Estado democrático.
De outra parte, seu governo apresentava uma fragilidade econômica e um defeito moral.
Frágil na economia pela incapacidade de conter os preços, dados os renitentes ?ndices de inflação.
Mesmo com o bloqueio ilegal de ativos bancários nas contas correntes de pessoas f?sicas e jur?dicas.
O defeito moral foi a consentida prática de corrupção dentro do governo envolvendo prestação de serviços e compra de produtos, alcançando formatos patrimonialistas.
O presidente foi atingido em dois movimentos: de dentro para fora do governo, na ineficiente gestão econômica.
De fora para dentro, pelas limitações pol?ticas decorrentes da baixa articulação pol?tica do governo no Congresso.
Solidão e fim A solidão pol?tica a que chegou Collor na presidência, na metade do mandato, ressalta seu estilo de administrar e as caracter?sticas culturais de sua atuação.
Na gestão administrativa, ele se mostrou autoritário e voluntarioso.
Na gestão pol?tica, apresentou-se inconciliador, inflex?vel e pouco republicano.
Na gestão da comunicação, exibiu sempre rosto de feições r?gidas, expressão severa, sem sinalizar otimismo que ajudasse a mobilizar energia social.
Solidão feita de silêncios pol?ticos; populismo feito de inaptidão republicana; inconciliação, impasse.
Retrato em preto e branco de espasmo antes colorido, jogando murro que socava o ar e não queria dizer nada.
O resultado foi beco sem sa?da pol?tico: economia estagnada, colapso do sistema pol?tico, impeachment.
Retrato pouco brasileiro, não culturalmente brasileiro, Collor presidente não alimentou as vocações nacionais de negociação e entendimento.
No fundo, ele e Jânio não evitaram o c?rculo de egocentrismo em que viviam mergulhados.
Assemelhados na inviabilidade pol?tica, Jânio e Collor viveram experiências diversas ao lidar com o poder.
Jânio cultivou o poder no voto.
Renunciando, buscava mais poder no golpe.
Fingiu desprezar o poder querendo ampliá-lo.
Por sua vez, Collor manipulou o poder tornando-o objeto de projeto pessoal.
Mas foi sendo afastado do poder incontornavelmente.
Jânio afastou-se querendo se aproximar do poder.
Collor aproximou-se do poder, desfigurou-o e foi afastado.
Ambos, por caminhos diferentes, deixaram a trilha do poder.
E, na ausência de valores culturais, perderam o sentido do Brasil.*Luiz Otavio Cavalcanti, 60, advogado, executivo e ex-secretário do Planejamento (1975/79 e 1991/92) e da Fazenda (1983/86 e 1992/93) de Pernambuco.
Recifense, Cavalcanti dirige hoje a entidade mantenedora da Faculdade Santa Maria. É autor, entre outros livros, de Como a corrupção abalou o governo Lula (Ed.
Ediouro, 2005), Administradores, quem somos nós? (Ed.
Bagaço, 2005) e Ensaiando Pernambuco (Ed.
Bagaço, 2005).