Por Luiz Otávio CavalcantiEx-secretário do Planejamento e da Fazenda de Pernambucolotavio@fsm.com.br Os presidentes da República brasileiros têm sido conciliadores, pragmáticos e ambivalentes.
Brasileiramente ambivalente, como Vargas; pragmático, como Juscelino; republicano e amb?guo, como Fernando Henrique; conciliador, como Lula.
São traços culturais que reforçam estilo de governar.
Traços culturais brasileiros.
Mas, há, pelo menos, dois ex-presidentes, que não apresentaram tais caracter?sticas: Jânio Quadros e Fernando Collor.
Neste artigo, vamos tratar do Homem da Vassoura, Jânio Quadros.
A Vassoura, empunhada por Jânio, era s?mbolo de sua campanha contra a corrupção.
Ele a adotou quando exercia a prefeitura de São Paulo e tornou-se a peça principal de sua campanha eleitoral para presidente em 1960.
O clima pol?tico no Pa?s, ao final do governo JK, naquela época, estava impregnado por ataques de l?deres udenistas, sobretudo do ex-governador carioca, Carlos Lacerda, pregando a existência de corrupção no governo.
A Vassoura cabia como luva na eleição.
Jânio foi eleito por seis milhões de votos contra pouco mais de dois milhões dados ao general Lott, ex-ministro do Exército de JK.
Mais do que maciça votação, ele recebeu expressiva carga de confiança dos eleitores confiantes em que que, finalmente, um presidente, com autoridade, iria defender o Erário público e moralizar o governo.
Quem era Jânio Matogrossense de nascimento, Jânio da Silva Quadros fez meteórica carreira pol?tica em São Paulo, elegendo-se vereador, prefeito da Capital e governador.
Seu figurino pol?tico era populista (chegava a descascar e comer banana em com?cio) e seu discurso, moralista.
Pouco republicano na sua atuação pol?tica, mostrava claro autoritarismo na ação administrativa.
Mas, trazia verniz de agilidade gerencial enviando bilhetinhos a ministros cobrando providências urgentes sobre assuntos da administração.
No fundo, era uma personalidade temperamental, pendular, que oscilava entre depressão e arroubo.
Bebia bem seu u?sque em sessões de cinema (geralmente bang bang) no Palácio do Alvorada numa época em que Bras?lia tinha menos de cinqüenta mil habitantes.
E poucos eventos a ocupar quem por lá se encontrava.
Elegeu-se presidente sem maioria no Congresso Nacional.
Estava criado cenário para conflitos que afetariam a governabilidade.
Jânio, ao invés de conciliar, procurava impor seus projetos ao Parlamento; ao invés de flexibilizar, endurecia; ao invés de investir no otimismo, acenava com o trágico. À medida que o mandato transcorria, ia ficando mais claro seu perfil quixotesco e retórico.
Ele ia se tornando quase um estrangeiro, dadas suas diferenças culturais em relação ao padrão de governante brasileiro.
Para ele, o extra-legal era sempre possibilidade iminente.
Seu temperamento instável já se fizera notar na campanha presidencial.
Ele renunciou à candidatura e foi convencido a voltar.
A renúncia à presidência da República, sete meses depois de eleito, foi um bis.
Um cálculo que deu errado.
Tratava-se, na minha opinião, de gesto que deveria, a depender de sua estratégia, desaguar em projeto autoritário, de natureza extra-constitucional.
Certamente ele exigiria poderes especiais para governar, para fazer as reformas de que a Nação precisava e o Congresso o impedia de as fazer, entronizando-se como chefete revolucionário.
O modelo conhecido de ditador latinoamericano, dispensando-se da tessitura de lidar com outros Poderes republicanos.
Um governo com votos e sem sa?da Eleito por coligação de Partidos liderada pela União Democrática Nacional - UDN, Jânio não mantinha com aquela agremiação estreita relação pol?tica.
No governo, enfrentava forte Oposição comandada pelo Partido Social Democrático – PSD, com larga tradição de luta pol?tica e disputa parlamentar.
Essa Oposição requeria o que Jânio não sabia (ou não queria) dar: negociação, articulação, entendimento, acordo, composição.
Num clima de crescente desarmonia pol?tica, Carlos Lacerda, talentoso tribuno e candidato à sucessão de Jânio, ocupou a televisão para denunciar tentativa de golpe produzida pelo presidente, por intermédio do Chefe da Casa Civil.
O estilo imprevis?vel do presidente não contribu?a para desarmar esp?ritos, nem para tranqüilizar a sociedade, menos ainda para garantir diálogo produtivo com o sistema pol?tico.
Ao contrário.
Ele tomava iniciativa polêmicas, como a concessão da medalha da Ordem do Mérito Cruzeiro do Sul, a mais elevada honraria brasileira, a Che Guevara.
No âmbito da pol?tica externa, Jânio não estimulava a simpatia do governo norte-americano.
Passou a defender a chamada pol?tica externa independente, alinhando o Brasil, nos foros internacionais, ao grupo de pa?ses do Terceiro Mundo.
A renúncia à presidência, tal como imaginada por Jânio, não era desfecho.
Seria instância pol?tica para outro vôo.
Não era conclusão, seria plataforma pol?tica para outro projeto.
Não era formalidade democrática, seria alternativa autoritária para personagem inconciliador, não culturalmente brasileiro.
A tragédia pol?tica, como recurso de ação, aproxima o trânsito de Jânio da figura de Getúlio, embora de forma diferente da morte biológica.
Em Jânio, o trágico estava na morte anunciada da democracia.
Em Getúlio, o trágico foi a própria morte do presidente que se suicidou.
Em Vargas, o suic?dio foi ressurreição (Saio da vida para entrar na História, Carta Testamento).
Em Jânio, a renúncia foi sua morte pol?tica.
Getúlio foi culturalmente brasileiro no desenlace, após vencer uma eleição presidencial, conciliar opostos e transigir no exerc?cio do poder.
Jânio foi não brasileiro na renúncia porque quis usá-la como via para a ditadura.
Era uma recusa ao entendimento, um não ao esp?rito republicano.
Recusar o compartilhamento democrático do poder mostrou um solitário pol?tico, um ser não-relacional no perfil Freyriano de homem brasileiro.
Inclusive na linguagem que ele usava, com termos rebuscados, acentuando sotaque intercalado de mesóclises.
Dispensando traços culturais de governante brasileiro, Jânio tornou-se estranho e perdedor.
A derrota de Jânio, é, de certa forma, a viabilidade da cultura pol?tica brasileira.
Próxima semana, Collor, o meteoro opaco. *Luiz Otavio Cavalcanti, 60, advogado, executivo e ex-secretário do Planejamento (1975/79 e 1991/92) e da Fazenda (1983/86 e 1992/93) de Pernambuco.
Recifense, Cavalcanti dirige hoje a entidade mantenedora da Faculdade Santa Maria. É autor, entre outros livros, de Como a corrupção abalou o governo Lula (Ed.
Ediouro, 2005), Administradores, quem somos nós? (Ed.
Bagaço, 2005) e Ensaiando Pernambuco (Ed.
Bagaço, 2005).