Por Luiz Otávio Cavalcanti*Ex-secretário do Planejamento e da Fazenda de Pernambucolotavio@fsm.com.br Por que Fernando Henrique Cardoso não se engaja na campanha de Alckmin a presidente?
Certamente por causa da baixa aprovação com a qual encerrou sua gestão.
E como se explica a queda de prest?gio popular de um presidente que se reelegeu na solidez de um plano (Real) de estabilização econômica?
Sociólogo, professor da USP, autor de livros no Brasil e no exterior, FHC tinha roteiro de vida apontado para a academia.
Mas veio a pol?tica.
Com ela, a fundação do PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira.
Derrotado para a prefeitura de São Paulo por Jânio Quadros, em 1985, desembarcou, em 1992, como aliado do então presidente Itamar Franco, no Ministério das Relações Exteriores.
No Itamaraty, foi intimado, por telefone (encontrava-se em Nova York), pelo presidente a assumir o Ministério da Fazenda.
Terminou aceitando.
A contragosto.
Mal sabia ele que, ao sentar na cadeira de ministro da Fazenda, estava assinando o termo de posse na presidência da República, dois anos depois.
Seu passaporte eleitoral para a chefia da Nação foi um bem sucedido plano de estabilização econômica, o Plano Real.
Elaborado por grupo de notáveis economistas e apoiado pelo presidente Itamar Franco, o Plano Real foi um sucesso, promoveu o controle da inflação sem recurso a medidas heterodoxas e elegeu FHC.
Intelectual feito presidente, governou de 1994 a 1998 e reelegeu-se até 2002.
Foram oito anos de um projeto que, na expressão de um de seus ministros, devia ocupar o poder por vinte anos.
A pol?tica fiscal do governo FHC teve pontos altos: a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, disciplinando o gasto público da União, dos Estados e dos munic?pios; a melhoria da transparência nas contas públicas; o compromisso de não alterar cláusulas de contratos reestruturando a d?vida da maioria dos Estados e munic?pios visando sanear as finanças públicas.
Se o governo FHC foi bem nesses pontos, colheu fracasso na gestão da despesa pública.
Com efeito, o governo não tinha disciplina gerencial e orçamentária.
Quando os gastos estouravam o orçamento, aumentava-se imposto.
Deixou de corrigir, na declaração de imposto de renda de pessoa f?sica, valores correspondentes a deduções.
Elevou a al?quota da Contribuição sobre Movimentação Financeira - CPMF.
A carga tributária foi aumentada para além de 30% do PIB.
Também não foi bem o governo FHC nas relações entre o Poder Executivo e o Legislativo.
Dizia-se, à época, que se vivia a era dos três quintos, porque essa era a exata relação de 308 deputados e 45 senadores exigida para que fossem aprovadas emendas constitucionais no Congresso.
A preocupação, então, era reeleger FHC, fazer a reforma do Estado e evitar a aprovação de comissões parlamentares de inquérito - CPIs.
As CPIs foram evitadas, FHC foi reeleito e a reforma do Estado ficou para depois.
Distorções entre Executivo e Legislativo Quando entrou em pauta a questão da reeleição de FHC, negociações pol?ticas foram executadas no varejo parlamentar submetendo o governo a pressões, desgastes e decisões contrárias às suas próprias orientações programáticas.
Os custos pol?ticos e orçamentários da reeleição foram altos.
A República pagou caro.Na verdade, a reeleição foi um cálculo pol?tico que deu errado.
FHC ficou nas mãos de caciques que passaram a dar cartas no Congresso (especialmente Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho).
O governo perdeu consistência com a morte do ministro Sérgio Mota e enfraqueceu sua articulação pol?tica com o desaparecimento do deputado Luis Eduardo Magalhães.
Disputas internas entre os ministros José Serra e Pedro Malan desequilibraram o bom humor da administração.
As crises externas no México e na Rússia afetaram o desempenho do PIB nacional.
Cap?tulo à parte foi o do relacionamento entre Executivo e Legislativo.
De um lado, estão as normas que orientam a distribuição de verbas por parte do Executivo.
De outro lado, estão os parlamentares em busca de recursos para atender seus eleitorados.
Esse antagonismo deteriorou a qualidade das relações entre os dois Poderes.
Da? vieram distorções que culminariam, no futuro próximo, em mensalões.
Na caça às verbas, deputados sentem-se estimulados a adotar posturas individuais, fora da disciplina partidária.
Por sua vez, atribuições centralizadoras de l?deres no Congresso e o poder do Executivo de liberar recursos contrabalaçam a autonomia de deputados.
A força dos Partidos não vem da fidelidade de seus membros.
Decorre da organização interna do Legislativo.
O Executivo tem que negociar com os l?deres partidários.
O sistema partidário, então, passa a operar com duas lógicas: a programática, que posiciona os Partidos sobre questões pol?ticas e sociais.
E a lógica de varejo parlamentar, atendendo interesses imediatos de deputados e Partidos.
O fato é que esse entrechoque de apetites gera a dispersão de poder.
O Executivo sai enfraquecido.
Sobretudo quando a base de apoio parlamentar é feita com seis Partidos, como ocorre no governo Lula.
No governo FHC foi mais fácil porque a base aliada se compunha de quatro Partidos.
Na realidade, o governo FHC foi perdendo, ao longo dos oito anos, eficiência pol?tica (sobretudo negociando a reeleição) e eficácia administrativa (principalmente por conta dos desencontros entre ministros).
As reformas foram deixadas de lado.
O governo tornou-se convencional, sem criatividade e vigor.
O tiro do preconceito regional Por outra parte, o governo FHC não teve visão nacional.
Nem na organização gerencial (mais da metade dos ministros, a certa altura, era de paulistas); nem na definição programática (não se formulou pol?ticas nacionais diferenciadas); nem no esp?rito de governo (pouco se falava de Região, de Nordeste, de desequil?brios regionais).
O vocabulário na República era paulista.
A sintaxe do poder era paulista.
Nas três vezes (se não me engano) em que FHC veio a Pernambuco, durante sua gestão, em duas delas ele tocou brevemente o território pernambucano na cidade de Petrolina.
Chegava rápido e sa?a depressa.
O ato que consagraria a incapacidade de resolver problemas de frente veio com a extinção da Sudene.
Sob a alegação de combater corrupção na alocação de recursos, extinguiu a autarquia.
Um tiro torto, vesgo, que atingiu o coração do Nordeste.
Embora diferenciado como intelectual, Fernando Henrique, como presidente, ficou na média da cultura gerencial brasileira.
Amb?guo na hora de fazer as reformas.
Hábil na manutenção de sua base de apoio parlamentar.
Contraditório entre a grandeza do discurso e a timidez da obra.
Curioso observar que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso nem sempre concordou com as teses do humanismo tropical de Gilberto Freyre.
Mas, o presidente FHC encarnou, na prática, alguns dos traços culturais do homem brasileiro de Gilberto.
Próxima semana, Jânio, a Vassoura que queria varrer a Constituição. *Luiz Otavio Cavalcanti, 60, advogado, executivo e ex-secretário do Planejamento (1975/79 e 1991/92) e da Fazenda (1983/86 e 1992/93) de Pernambuco.
Recifense, Cavalcanti dirige hoje a entidade mantenedora da Faculdade Santa Maria. É autor, entre outros livros, de Como a corrupção abalou o governo Lula (Ed.
Ediouro, 2005), Administradores, quem somos nós? (Ed.
Bagaço, 2005) e Ensaiando Pernambuco (Ed.
Bagaço, 2005).